Às vezes(?) guiarmo-nos pelos outros pode ser fatal. À bocado fui estacionar o meu carro entre outros dois e deixei-o um pouco mais para fora da linha que ambos me deram. Pois fiquei a um passo do passeio. Os dois bobocas estacionaram mesmo no limite da linha. Pois é...andam uns no limite e vai uma pessoa adivinhá-lo....
Entrei no carro e estacionei-o bem junto ao passeio. E isto inspira uma história.
Um melro saiu do seu ninho numa manhãzinha fresca e pousou num galho ali perto pois as suas asas ainda não estavam secas o suficiente para grandes voos. Espreitou o sol que por entre as nuvens olhava timidamente e viu um outro melro saudar o dia com um breve assobio. Ora, uma serpente, acabadinha de acordar, suspirou ao ouvir tão doce som e, com a língua a sair e a entrar da boca, começou a escalar o tronco que a levaria a tão tenro manjar. O primeiro melro, insatisfeito com o saudar do segundo decidiu compor uma bela sinfonia ao belo astro para que este dissipasse as nuvens aborrecidas de entretenimento. Distraído, o melro piava como nunca havia piado. A cobra, que desviara a atenção para este primeiro melro, desviou-se da rota inicial e começou a aproximar-se lentamente, de olhos negros da morte que a sua língua ambicionava. A dois metros do pássaro a cobra parou, o melro estremeceu, abriu os olhos, abriu as suas asas e...voltou a fechá-las. Recomeçou a sua sinfonia, mais bela do que nunca, perfeita na sua harmonia de pássaro contente. A cobra recomeçou o seu rasteio devagar, devagarinho e, mesmo quando chegou ao pé do melro, abriu a sua boca no momento em que a sinfonia acabava. O melro abriu os olhos, satisfeito pela sua obra, iluminado pelo sol e sorrindo olhou a cobra. Esta manteve a sua boca aberta mas não percebeu o que no sorriso do melro havia, porém,algo que a mantinha, ainda que preparada para morder, imóvel e paralisada. O melro deixou-se tombar para a frente, caiu alguns metros e abriu as suas asas começando um vôo especial, duas piruetas para a frente, duas piruetas para trás e, imprudentemente, poisou no chão onde tantos inimigos o podiam apanhar. A cobra, deliciada com o acordar de um estado hipnótico e rejuvenescedor , olhou para baixo viu o melro e largou-se caindo em cima dele, engolido, assim, de uma vez só.
Depois um som surpreendeu a cobra. Olhou para cima e viu o segundo melro a piar, tímida e simplesmente, como que a despedir-se de uma lição para a vida inteira. Voou com o semblante soturno, fechado e carregado. Nunca ouvira nenhum melro cantar assim.