terça-feira, outubro 31, 2006

Necessidade

A necessidade faz-nos andar, correr, parar para comer uma sandes; faz-nos pensar, amar, falar; só não há necessidade para invejar. A necessidade faz-nos calar, perder, criar, cantar, chorar, esquecer, gritar; só não há necessidade para invejar. A necessidade faz-nos aceitar, reconhecer, lutar, trocar, brincar, brigar, dançar, jogar, imaginar; só não há necessidade para invejar.
Só não há necessidade para invejar.

Recordar

Nos nossos anos de meninice tinhamos uns pais e amigos espectaculares. Levavam-nos para uma barragem alentejana, acampávam-nos 15 dias no meio de nenhures e passava-mos dias como índios. Só nos cálçavamos e vestíamos roupa para a noite que trazia sempre algum frio. Chegámos numa das barragens a fazer uma autêntica cabana com eucalipto e palha, com a superintendência do Camões. Fazíamos fogueiras, comíamos regularmente arroz de atum. E o melão chegou a ser sagrado, sendo a fatia que restava jogada ao poker de dados. O Miguel costumava ganhar esses excedentes de melão.
Tenho duas imagens gravadas na mente uma que já tanto me fez rir, a segunda reflectir. A primeira: Eu estava entretido a mexer numas pedras quando ouço um grito descomunal que não se apagava. Levantei a cabeça e era o Camões que gritava. Corria a toda a velocidade com a pixota a dar a dar e só parou dentro d'água porque pelos vistos em cima de água não dá para correr.
A segunda foi quando me aproximei do A. Silva enquanto ele lavava a loiça à beira de água. reparei que ele quase não usava água e disse-lhe isso: "mas tu não tens água nenhuma aí para tirar o sabão dos pratos?!" E ele respondeu-me qualquer coisa do género: Nós na tropa, em África, tinhamos um cantil de água qua às vezes tinha de durar dias. Aprendemos a fazê-la render. Era uma questão de sobrevivência"
Lembro-me de outras coisas, como a da estrela gigante que todos vimos numa noite e que fez dela dia, ou da impressão que senti no pé mas como estava distraído a olhar para o barco à vela não liguei e no segundo seguinte quando olhei era uma centopeia gigante que tinha acabado de o percorrer todo, como se tivesse subido e descido um pequeno monte; ou as cobras de água que apanhávamos quando soubemos que eram inofensivas e através das quais aprendemos a doce acção de devolver bichos à liberdade; da pedra que aquecemos "toda" a noite na fogueira e que depois mergulhámos num balde de água para comprovarmos que ela partiria; da C. que a remar o barco começou a sangrar e eu a alertá-la meio aflito: "C.! Estás a deitar sangue!" E como ela me explicou que não era sangue que era a menstruação, que todas as mulheres que podem ter filhos têm mensalmente.
Fica muito por dizer e se calhar nem era preciso dizer tanto. Foi só um momento em que me apeteceu reconhecer e...
recordar

sexta-feira, outubro 27, 2006

Não é que

ganhei mesmo? Três joguinhos seguidinhos!

Viver

A vida transforma-nos. Esperemos que o faça para melhor; mais belos, mais fortes, mais justos; menos imponderados; menos inconscientes, menos despropositados.
A vida ela própria é transformação, desde o início. Porém nós já somos alguma coisa, desde o início. Alguma coisa no meio e à volta de tudo. Alguma coisa que não pára, que não pode parar nunca, como o tudo também sempre em movimento. Mas haverá alguém que não saiba disto?
Herdeiros e nascidos em algo já construído, de cujas forças fazemos incontornávelmente parte. Mesmo os mais velhos, que no leito da morte recordam o passado, velados pelos seus descendentes, têm uma herança. Mas eu sou novo e por isso, agora que falo dos velhos que recordam, incorro num erro: o de falar sobre o que não sei. Posso talvez e apenas pressentir...
Não sei viver e vivo, invisto em coisas que me porporcionam o sentimento de aprendizagem, de transformação, e o rigor, qualidade para mim indispensável às relações humanas e a qualquer outro tipo de construção, dá-me muitas vezes, aplicado a mim mesmo, a sensação de me comportar de forma insatisfatória. E é assim que vivo. E é assim que falo de mim mesmo, escrevendo. Fazê-lo oralmente, transmitindo-o a outra pessoa é-me dramaticamente difícil. Talvez o possa superar, se é que vale a pena para o sentimento de plenitude social, porque afinal, nós fazemo-nos com os outros. Nós socialmente só somos com os outros. Os outros socialmente só são connosco. Então, os outros, que são, connosco, que sejam o melhor que puderem. Ajudemo-los como nos têm ajudado a nós.
Brindemos todos à experiência que é viver.
Depois há o reverso da medalha: A plenitude individual! Quando, sem sabermos porquê, não conseguimos dormir e a noite está um paraíso acolhedor, com a lua a brilhar aquele brilho inerte, parado, iluminando o que nos é familiar de forma silenciosa, misteriosa, poder-se-ía dizer até, iluminando o próprio vento.
já chega de conversa.
talvez consiga agora ganhar um joguinho de xadrez, os últimos que tenho feito foram só derrotas.

domingo, outubro 22, 2006

A barca de lyra

Um texto de Lyra:

"A avó Laurinda jura que jura que a tia A. chorou quando ainda estava na barriga dela. Que um dia andava com água pelos joelhos na monda do arroz, com uma barriga quase de oito meses e ouviu-se um choro, quase um miar, de bebé. Ali não havia bebés. Só a tia A. dentro da barriga da avó. As companheiras de jornada, conta a avó, durante dia e meio não a quiseram por perto. Afastavam-se da avó como o diabo da cruz. Depois o capataz lá as fez (à verdascada diga-se) ajudarem a avó Laurinda e o episódio faz de conta que não se passou que todas tinham medo das coisas do outro mundo e achavam que a tia A. era um bebé doutro mundo.
A tia A. casou-se cedo, como quase todas as mulheres da família do lado materno. Cedo é quinze anos. Casou, teve quatro filhas, ficou viúva do tio J. após 10 anos a cuidar dele por este ter ficado paraplégico numa noite de cervejas. Se foi acidente de trânsito? Não. Um matulão com mais de 130kg na brincadeira com ele (ele que era uma fraca figura) mandou-se para cima dele. Foi o suficiente. Parece mentira não é?. A tia casou depois mais duas vezes sem papel passado. A primeira com um contrabandista que andava por Angola, que lhe mandava para casa todos os meses um cheque chorudo e que ela gastava nos oito dias seguintes a comprar (como é que aquilo se chama? Eu nunca joguei.) cartões no bingo do Vitória. Raramente ganhava alguma coisa, mas quando ganhava ligava para a minha mãe eufórica "fiz bingo!" Claro que este casamento acabou assim que o contrabandista voltou. Já a tia A. estava grávida do único filho que tem. Depois a tia casou com um artista. É um artista dizia. Fazia bicicletas em miniatura com arames. Eu já o tinha visto várias vezes enquanto andava no secundário. Vagueava pelas ruas. Este casamento deve ter durado um ano talvez. Mas nesse tempo a tia não o deixou entrar em casa durante uns oito meses e nos outros dois não se falaram.
A tia A. oferece-nos sempre fios, anéis e pulseiras de ouro pelo natal. Diz ela que o ouro vale mais que o dinheiro. Ela sabe do que fala. Mais de metade do mês, todo o ouro que ela tem fica empenhado nos prestamistas. Depois quando recebe vai lá buscá-lo e anda neste ciclo vicioso há vários anos. Às vezes tem sorte e faz bingo. Nessas alturas, vai levantar o ouro à casa de penhores e visita ourivesarias. Compra sempre qualquer peça.
Não sei se a tia A. foi abençoada. Sei que a vida dela tem sido dificíl. Sei que a tia ainda assim tem um sorriso feliz e sempre que me vê abraça-se a mim de lágrimas nos olhos. Ainda que me tenha visto há dois dias atrás. Eu digo-lhe sempre em forma de brincadeira para lhe aliviar a alma "oh tia isso são saudades?" ao que ela me responde sempre que são.
Hoje aconteceu o mesmo. Mas hoje a tia respondeu-me que gosta do meu colo. Que o meu abraço dá-lhe colo. Afaguei-lhe o cabelo e ela perguntou-me "queres que a tia cante A lágrima?". E cantou. A tia canta o fado. Sempre cantou. E se este é o fado que me revolve a alma ninguém o canta como ela."

Não arrepia?

Zygmunt Bauman

"(...)
Quis sublinhar que as cidades se tornaram depósitos de resíduos e que assistimos nelas à busca desesperada de soluções locais para problemas produzidos pela globalização, mas gostaria de acrescentar duas considerações mais. É certo que as cidades são depósitos de resíduos, mas são também campos de batalha e laboratórios. Campos de batalha, mas de que batalha? Da batalha entre a mixofilia e a mixofobia, termos pouco usados, mas que se explicam por si próprios.
(...)

"Confiança e medo na cidade"
Relógio d'água

sexta-feira, outubro 20, 2006

Kurssaryu?

Fui ao google. Não encontrei nada.tentei com ó, tentei kurssario, depois krussaryo...nada.
Não sei quem é Kurssaryu!

quinta-feira, outubro 12, 2006

Thoix

Basta um filtro para fazer isto?

Branco

Será real?

segunda-feira, outubro 09, 2006

A quadros luz

sábado, outubro 07, 2006

Crime

O estojo estava aberto, em cima da mesa. Dele saía uma das pontas da tesoura com que iria matá-lo. O computador estava prestes a desligar quando a janela, de repente ,se fechou com tal violência, que o vidro se estilhaçou em mil pedaços. Esta é uma história de morte.
A primeira lua cheia tirara-me o sono e o crime começou a desenhar-se na minha mente. Primeiro pequenos rabiscos de criança que começaram a amadurecer um esboço nitído, com vida. Não dormi nada nessa noite e o dia despontou rapidamente, injectando-me nas veias novas, novos recursos de energia.
Na última lua cheia voltei a não dormir. O homem iria chegar dentro de poucos segundos. Iria sair na sua limusine, alertado por uma emergência que na verdade não existia. Se a sua amante cumprisse com zelo as instruções que eu lhe dera, seria naquela madrugada ou nunca.
Pontualmente, às seis da manhã, a luz da garagem, vomitada por uma janela, deu-me o primeiro sinal de alerta.
Eu esperava com a tesoura aberta no bolso largo do casaco. Ele iria sair em três minutos.
A pedra que escolhera, rugosa, do tamanho de uma laranja grande iria entrar em acção. Agarrei-a com força, olhei para ela, inspirei nos pulmões uma grande golfada de ar húmido, ganhei coragem, e acertei bem no meio da minha testa. Não precisei de bater segunda vez. Uma boa quantidade de sangue escorria-me pela face, alcançando por fim, a camisa branca, maculando-a de vermelho. Não tinha perdido força nas pernas. Deitei-me no alcatrão e fingi-me de morto.
A porta da garagem abriu e o carro preto, dando a curva de acesso ao lugar onde eu estava, iluminou o meu corpo imóvel.
Como previsto, ao ver-me, o homem parou o carro e abriu de imediato a porta. Saíu e veio solicitamente ter com o seu carrasco. A tesoura estava pronta e parecia gelada, como um cubo de gelo que enigmaticamente se cola à ponta dos nossos dedos.
Senti a aproximação dele e esperei. Ele baixou a cabeça e pude sentir a sua respiração no meu pescoço, à medida que ele, com o ouvido, averiguava se eu respirava.
Quase não se pode exprimir os momentos que antecedem um assassinato. O meu coração disparou freneticamente e uma descarga de adrenalina obrigou-me a gritar um grito que eu não conhecia. O homem, assustado, recuou o tronco, ficando com a cabeça exactamente no sítio onde a minha mão, com o braço esticado, lhe acertaria. Nesse momento, se tivesse pensado, certamente teria abortado o crime; em vez disso, uma força tomou contade mim e conduziu o movimento frenético, rápido e frio, e a tesoura cruzou o ar a uma velocidade tal que se enterrou até meio na fronte esquerda do homem que estranhamente não gritou. Como ele ainda se mexesse, retirei a tesoura. A sensação de se retirar uma tesoura do corpo de alguém é a pior parte de um crime. A pele vem atrás do aço frio parecendo querer nos tocar. A aversão de tal momento é tal que nos impele a desistir de tudo e fugir para um qualquer lugar. Mas nesse momento, já a morte entrou em nós, tocando um tambor de pele pouco esticada e sorri desmesuradamente, contente, vivendo acesa no nosso interior mais recôndito. É lá que passa a estar e de lá ordena mais morte. Foi por isso que voltei a espetar a tesoura, agora mais fundo e no olho. Depois perdi a cabeça e não sei o que fiz mais, senão nas notícias principais no dia seguinte, nos jornais da cidade.
"BRUTAL ASSASSINATO VITÍMA PRESIDENTE DA CÂMARA" e "PRESIDENTE DA CÂMARA ESFAQUEADO INÚMERAS VEZES" ou "PRESIDENTE MORRE COM ROSTO COMPLETAMENTE DESFIGURADO"
O sol nesse dia nasceu lentamente. Eu aborvia o seu calor condescendente que me aquecia ao de leve o corpo dorido. O telefone tocou.
"Já li no jornal, posso mandar o envelope?"
"Sim! O porco já está no inferno...podes mandar o envelope!"
"Já lhe lixaste a vida,nunca pensei que o conseguisses, mando mesmo o envelope?"
"O envelope. Manda o envelope!"

quarta-feira, outubro 04, 2006

Powershot Pro 1

Apalavradamente vendida.