A brisa daquele dia soprava quente. Os homens há muito que se tinham feito ao mar, para nele passarem a noite. A praia estava deserta. Tudo o que as pessoas tinham lá deixado, para além dos risos e palavras, eram as pegadas.
Foi quando o sol começou a confraternizar com o horizonte que ela apareceu, do fundo da praia; poder-se-ia dizer aparecida do nada, primeiro uma silhueta, depois uma forma bela e bem definida.
O seu rosto, iluminado pelo adeus que o sol fazia àquele dia parecia em brasa, avermelhado. Os seus olhos negros fitavam, sem desafiar, a parte do horizonte onde o rei mergulhava. Foi quando se pôde vislumbrar um bando de gaivotas, atrás da mulher; parecia segui-la.
Quando ela parou, a meio do areal, o bando aterrou na areia e deixou-se ficar ali, rodeando a mulher, agora sentada, que, afinal, as alimentava com um tipo qualquer de comida que não pude distinguir.
Eu estava longe, no terraço de um prédio de doze andares e por isso, podem depreender que vi mesmo tudo, que esta história realmente aconteceu.
Passado alguns minutos, ela levantou-se e levantou calmamente os braços num sinal de ordem. Todo o bando levantou vôo, à excepção de uma gaivota que fitava directamente os olhos da mulher . Baixou os braços e levantou-os imediatamente numa nova e mais peremptória e firme ordem. A gaivota manteve-se imperturbável, descendo o olhar para a boca bem delineada dela.
Foi nesse instante que desmaiei. Cai e fiquei para ali estendido no chão. Lembro-me apenas que a última coisa que pensei foi "gostava de ser aquela gaivota".
Quando acordei vi os lábios dela; aquela boca bem delineada soprava para os meus olhos para os acordar. Eu estava no seu colo. Ela então disse-me, És um malandro, não paras de desafiar, e eu respondi-lhe, Por isso gostas de mim, Sim, entre outras coisas, por isso gosto de ti...
O olhar apaixonado dela abraçou-me a alma. Senti-a (a alma) fervilhar. Ela disse, Queres ir nadar?, eu sorri e respondi-lhe pegando-lhe na mão, obrigando-a a correr atrás de mim, Não!, prefiro voar! E nesse momento eu já não era eu, nem ela ela; fundimo-nos num corpo só; um corpo de duas gaivotas que amavam, acima de tudo, a tão bela e necessária arte de voar.