terça-feira, abril 22, 2014

Origens



Não tinha pensado nisso. O réptil quando privado da sua cauda gera outra. Connosco passa-se o mesmo com as unhas. Será que esse fenómeno é o último resquício cromossomático que nos liga ao lagarto? E se fisicamente herdámos isso desses animais de sangue frio, o que se passará a nível da mente? Que nos ligará a eles a nível mental?

terça-feira, abril 15, 2014

Apaziguamento




O vento sussurrou-lhe ao ouvido a chegada da sua companheira. A adrenalina era tanta que pareceu-lhe capaz de desmaiar, cair para o lado, apagar.  Olá, dizia-lhe o cheiro dela, estou perto. Ao longe, o caminho desaparecia por detrás das árvores. E foi de lá que ela surgiu, bela, astuta, inteligente e particularmente boa.
Ambos sorriam para a vida que juntou os dois há dois meses e ambos ignoravam se o seu encontro seria uma aventura fugaz ou o começo de uma longa parceria. Não sabiam. Mas também não havia mal nisso. A idade avançada de ambos fazia com que os dois olhassem com alguma desconfiança a possibilidade de um novo e longo amor; mas ambos entregavam-se um ao outro como se nenhum tivesse ainda vivido antes as amarguras e felicidades de uma relação amorosa.
As árvores foram testemunhas das reacções um do outro e o caminho, ali bifurcado ,levou-os pelo poente à fonte centenária onde pararam para comer. A fonte,há cinco séculos que servia as populações à sua volta de água especial, sublinhava-se e vincava-se mesmo com vigor o seu carácter medicinal.
Hoje à noite sonhei que tinha morrido, dizia-lhe ela com o coração apertado, injectaram-me uma droga qualquer que me fez acalmar no caminho perpétuo para o que era pressuposto ser a escuridão final. E só quando me foi dado morrer, relaxei por completo e acordei. Ele ouvia-a calmamente e sem sorrir e sem sorrir lhe disse, sem a interromper, pois ela tinha parado um instante para pensar, disse-lhe, dizia, pareceu-me um sonho bom. Parece que a morte é antecedida por uma sensação de bem-estar. Assim, parece-me que és felizarda. Morreste e continuas aqui para contar a história. Ela, como que definitivamente apaziguada, suspirou, sorriu e inclinou o rosto para lhe facilitar o caminho para um beijo; ao mesmo tempo último e primeiro.

quinta-feira, abril 03, 2014

o amor das gaivotas



A noite, doente de amor, amava. A lua brilhava, falsa e mentirosa, como se tivesse luz própria; e a beira-mar, tranquila, acolhia vários casais de aves, dispersos  pela areia já arrefecida.  Um casal de gaivotas entregava-se ao sexo rápido e os outros, como que só para imitá-los, faziam o mesmo. Nas dunas, de binóculos a aumentar o poder de visão, eu rejubilava com tal frenesim. Mas o vento traiu-me numa mudança rápida de direcção e as aves, assustadas com o movimento do meu cheiro, levantaram vôo; primeiro uma e logo de seguida, outra, até que por fim, o bando todo. Eu dei-me por satisfeito e pus-me a caminho de casa repleto de amor dos animais.