Apaziguamento
O vento sussurrou-lhe ao ouvido a chegada da sua
companheira. A adrenalina era tanta que pareceu-lhe capaz de desmaiar, cair
para o lado, apagar. Olá, dizia-lhe o
cheiro dela, estou perto. Ao longe, o caminho desaparecia por detrás das
árvores. E foi de lá que ela surgiu, bela, astuta, inteligente e
particularmente boa.
Ambos sorriam para a vida que juntou os dois há dois meses e
ambos ignoravam se o seu encontro seria uma aventura fugaz ou o começo de uma
longa parceria. Não sabiam. Mas também não havia mal nisso. A idade avançada de
ambos fazia com que os dois olhassem com alguma desconfiança a possibilidade de
um novo e longo amor; mas ambos entregavam-se um ao outro como se nenhum
tivesse ainda vivido antes as amarguras e felicidades de uma relação amorosa.
As árvores foram testemunhas das reacções um do outro e o
caminho, ali bifurcado ,levou-os pelo poente à fonte centenária onde pararam
para comer. A fonte,há cinco séculos que servia as populações à sua volta de
água especial, sublinhava-se e vincava-se mesmo com vigor o seu carácter
medicinal.
Hoje à noite sonhei que tinha morrido, dizia-lhe ela com o
coração apertado, injectaram-me uma droga qualquer que me fez acalmar no
caminho perpétuo para o que era pressuposto ser a escuridão final. E só quando
me foi dado morrer, relaxei por completo e acordei. Ele ouvia-a calmamente e
sem sorrir e sem sorrir lhe disse, sem a interromper, pois ela tinha parado um instante
para pensar, disse-lhe, dizia, pareceu-me um sonho bom. Parece que a morte é
antecedida por uma sensação de bem-estar. Assim, parece-me que és felizarda.
Morreste e continuas aqui para contar a história. Ela, como que definitivamente
apaziguada, suspirou, sorriu e inclinou o rosto para lhe facilitar o caminho
para um beijo; ao mesmo tempo último e primeiro.
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