terça-feira, abril 15, 2014

Apaziguamento




O vento sussurrou-lhe ao ouvido a chegada da sua companheira. A adrenalina era tanta que pareceu-lhe capaz de desmaiar, cair para o lado, apagar.  Olá, dizia-lhe o cheiro dela, estou perto. Ao longe, o caminho desaparecia por detrás das árvores. E foi de lá que ela surgiu, bela, astuta, inteligente e particularmente boa.
Ambos sorriam para a vida que juntou os dois há dois meses e ambos ignoravam se o seu encontro seria uma aventura fugaz ou o começo de uma longa parceria. Não sabiam. Mas também não havia mal nisso. A idade avançada de ambos fazia com que os dois olhassem com alguma desconfiança a possibilidade de um novo e longo amor; mas ambos entregavam-se um ao outro como se nenhum tivesse ainda vivido antes as amarguras e felicidades de uma relação amorosa.
As árvores foram testemunhas das reacções um do outro e o caminho, ali bifurcado ,levou-os pelo poente à fonte centenária onde pararam para comer. A fonte,há cinco séculos que servia as populações à sua volta de água especial, sublinhava-se e vincava-se mesmo com vigor o seu carácter medicinal.
Hoje à noite sonhei que tinha morrido, dizia-lhe ela com o coração apertado, injectaram-me uma droga qualquer que me fez acalmar no caminho perpétuo para o que era pressuposto ser a escuridão final. E só quando me foi dado morrer, relaxei por completo e acordei. Ele ouvia-a calmamente e sem sorrir e sem sorrir lhe disse, sem a interromper, pois ela tinha parado um instante para pensar, disse-lhe, dizia, pareceu-me um sonho bom. Parece que a morte é antecedida por uma sensação de bem-estar. Assim, parece-me que és felizarda. Morreste e continuas aqui para contar a história. Ela, como que definitivamente apaziguada, suspirou, sorriu e inclinou o rosto para lhe facilitar o caminho para um beijo; ao mesmo tempo último e primeiro.

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