quinta-feira, março 23, 2017

Imprevisibilidade



Enquanto as manadas seguiam rumo ao norte estabelecido por decisões de interesseiros políticos demagogos, sujeitos aos interesses económicos dos grandes empresários, o sol sorria para uma mulher que, deitada sobre uma toalha, esticava o rosto como se quisesse ficar um pouco mais perto da fonte de calor que há tanto tempo permite às moléculas organizarem-se ora com prazer ora com dor no constante e imperioso processo de evolução da vida.
Os planetas estavam alinhados de uma forma tal que os videntes, apaixonados pela insegurança e crendice das pessoas a quem eles submetiam os seus truques manipuladores, avisavam: -Minha senhora, plutão está em cima de saturno pelo que deve ter muito cuidado com os maus-olhados; ou então:  Marte está em frente de Neptuno ora isto quer dizer que o senhor vai ter sucesso no amor . E nos dois casos: São 60 euros. Volte cá para o mês que vem se faz favor e se quiser que eu lhe garanta um caminho feliz.
A praia dourada servia de palco às dezenas de gaivotas que, orientadas contra o vento, se mantinham quietas com raras mas evidentes disputas hierárquicas, em trocas de bicadas que resultavam numa nova disposição organizacional, isto de viver gregariamente não pára. Ou se pára é por momentos fugazes de descontracção, não sabem as gaivotas aquilo que as espera. Nisso são iguaizinhas aos homens.
E a mulher que apanhava sol, respirava profundamente, sabendo que o problema para o qual o seu irmão a colocara não estava nem por sombras resolvido; que ainda tinha muita luta pela frente, luta essa remetida para uma reunião para dali a duas horas. Ela era advogada e ele músico. O problema era simples: Ele acusava certa pessoa de se ter apropriado de composições suas. A irmã deveria provar que o registo de direitos de autor tinha sido feito após uma gravação onde constavam as canções. Andam os homens a roubar e a usurpar há tantos séculos que era para a irmã inconcebível que o irmão tivesse facultado a um colega, de boa fé, o cd onde constava sessenta minutos de música original. Este facto era dado a susceptibilidades da parte do músico, e a mulher, tendo tocado no assunto uma vez,  percebeu logo que era uma tecla onde não valia mais a pena tocar; teria que trabalhar no irmão as suas características infantis e ingénuas por outra via, noutro momento. Por agora restava-lhe defender os interesses dele no tribunal.
Aquecida naquele dia frio, ainda que primaveril, ela decidiu nadar. Mal sabia que um grupo de tubarões patrulhava aquelas águas. Nadou vinte minutos antes de ser mordida pelo primeiro animal. Logo de seguida a ele se juntaram outros que a devoraram por completo sob o olhar aterrorizado de uma criança que até ali se divertira a manobrar um papagaio de papel.
Acordou com a testa empapada de suor, viva, que o narrador se a pode matar num pesadelo também a pode ressuscitar num sonho bom.
Ela lembrou-se das palavras que dissera ao colega: "Tenho medo de nadar no mar!"

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