domingo, abril 21, 2013

A cura

Outrora, numa tarde de verão, o sol brilhava com um sorriso especial; o sorriso rápido e contente que as crianças esboçam quando encontram e reconhecem um amigo. Ora, no meio de uma floresta de árvores enormes, tão grandes que as folhas das copas pareciam fazer, com a ajuda do vento, carícias ao céu muito azul, havia um campo de forma circular onde crescia livremente uma planta cuja parte superior era terapêutica e sabia bem mastigar, mas cuja parte inferior oferecia aos seres humanos um sabor intragável e mortal. Era preciso ter muito cuidado para, quando se comesse a parte boa, não se apanhar nenhum bocado da parte má pois, se isso acontecesse, a pessoa crispava o rosto, agoniada, dava duas ou três voltas em torno de de si mesma e caía no chão, morta, sem o privilégio da rescuscitação. Naquele dia, nesse campo redondo, um grupo de crianças brincava livremente, sem a vigilância de qualquer adulto; elas estavam todas muito contentes e alegres, e riam alto, enquanto corriam de forma ordenada para não chocarem umas com as outras. Porém, de repente, quando ninguém esperava, Merícia, a menina mais nova do grupo, com quatro anos, caiu, magoou o joelho e pôs-se a chorar. O Nelson, mais velho cinco anos de idade, quando a viu magoada, aproximou-se muito depressa, com a velocidade e agilidade de um leopardo, com a concentração e calma de um leão, olhou de forma triste as pálpebras descidas e molhadas da menina e pediu-lhe: "não chores mais...". A menina, entre soluços, respondeu-lhe:" mas doi-me muito o joelho!" O Nelson, com as sementes da paternidade a orientar-lhe a atitude, pousou uma das mãos na cabeça da menina e disse-lhe com um sorriso confiante: " a dor vai passar!" A menina olhou para ele com os olhos a fazerem faíscas e respondeu-lhe irritada:" mas é agora que me dói!!!" O rapaz transformou com a velocidade de um relâmpago o seu sorriso de confiança, franziu as sobrancelhas e disse-lhe firmemente e com a dureza de um rochedo: " então é agora que a tens de suportar!" Ela olhou para ele, viu o seu rosto zangado, pestanejou, compreendeu, e deixou de chorar. As outras crianças que tinham feito um círculo à volta deles, ohavam em silêncio. Passados três minutos, uma delas avançou sem dizer nada. Pousou, com a leveza de uma pluma, uma das mãos na cabeça da menina, e a outra no joelho castigado. A menina sentiu um arrepiu pelo corpo todo e percebeu a dor levitar e desaparecer, com a rapidez implacável do ponto de ebulição da água recolhida de um charco, que se ferve com o intuito consciente de a tornar pura e utilizável para a cicratização adulta de feridas antigas.