Crime
O estojo estava aberto, em cima da mesa. Dele saía uma das pontas da tesoura com que iria matá-lo. O computador estava prestes a desligar quando a janela, de repente ,se fechou com tal violência, que o vidro se estilhaçou em mil pedaços. Esta é uma história de morte.
A primeira lua cheia tirara-me o sono e o crime começou a desenhar-se na minha mente. Primeiro pequenos rabiscos de criança que começaram a amadurecer um esboço nitído, com vida. Não dormi nada nessa noite e o dia despontou rapidamente, injectando-me nas veias novas, novos recursos de energia.
Na última lua cheia voltei a não dormir. O homem iria chegar dentro de poucos segundos. Iria sair na sua limusine, alertado por uma emergência que na verdade não existia. Se a sua amante cumprisse com zelo as instruções que eu lhe dera, seria naquela madrugada ou nunca.
Pontualmente, às seis da manhã, a luz da garagem, vomitada por uma janela, deu-me o primeiro sinal de alerta.
Eu esperava com a tesoura aberta no bolso largo do casaco. Ele iria sair em três minutos.
A pedra que escolhera, rugosa, do tamanho de uma laranja grande iria entrar em acção. Agarrei-a com força, olhei para ela, inspirei nos pulmões uma grande golfada de ar húmido, ganhei coragem, e acertei bem no meio da minha testa. Não precisei de bater segunda vez. Uma boa quantidade de sangue escorria-me pela face, alcançando por fim, a camisa branca, maculando-a de vermelho. Não tinha perdido força nas pernas. Deitei-me no alcatrão e fingi-me de morto.
A porta da garagem abriu e o carro preto, dando a curva de acesso ao lugar onde eu estava, iluminou o meu corpo imóvel.
Como previsto, ao ver-me, o homem parou o carro e abriu de imediato a porta. Saíu e veio solicitamente ter com o seu carrasco. A tesoura estava pronta e parecia gelada, como um cubo de gelo que enigmaticamente se cola à ponta dos nossos dedos.
Senti a aproximação dele e esperei. Ele baixou a cabeça e pude sentir a sua respiração no meu pescoço, à medida que ele, com o ouvido, averiguava se eu respirava.
Quase não se pode exprimir os momentos que antecedem um assassinato. O meu coração disparou freneticamente e uma descarga de adrenalina obrigou-me a gritar um grito que eu não conhecia. O homem, assustado, recuou o tronco, ficando com a cabeça exactamente no sítio onde a minha mão, com o braço esticado, lhe acertaria. Nesse momento, se tivesse pensado, certamente teria abortado o crime; em vez disso, uma força tomou contade mim e conduziu o movimento frenético, rápido e frio, e a tesoura cruzou o ar a uma velocidade tal que se enterrou até meio na fronte esquerda do homem que estranhamente não gritou. Como ele ainda se mexesse, retirei a tesoura. A sensação de se retirar uma tesoura do corpo de alguém é a pior parte de um crime. A pele vem atrás do aço frio parecendo querer nos tocar. A aversão de tal momento é tal que nos impele a desistir de tudo e fugir para um qualquer lugar. Mas nesse momento, já a morte entrou em nós, tocando um tambor de pele pouco esticada e sorri desmesuradamente, contente, vivendo acesa no nosso interior mais recôndito. É lá que passa a estar e de lá ordena mais morte. Foi por isso que voltei a espetar a tesoura, agora mais fundo e no olho. Depois perdi a cabeça e não sei o que fiz mais, senão nas notícias principais no dia seguinte, nos jornais da cidade.
"BRUTAL ASSASSINATO VITÍMA PRESIDENTE DA CÂMARA" e "PRESIDENTE DA CÂMARA ESFAQUEADO INÚMERAS VEZES" ou "PRESIDENTE MORRE COM ROSTO COMPLETAMENTE DESFIGURADO"
O sol nesse dia nasceu lentamente. Eu aborvia o seu calor condescendente que me aquecia ao de leve o corpo dorido. O telefone tocou.
"Já li no jornal, posso mandar o envelope?"
"Sim! O porco já está no inferno...podes mandar o envelope!"
"Já lhe lixaste a vida,nunca pensei que o conseguisses, mando mesmo o envelope?"
"O envelope. Manda o envelope!"
A primeira lua cheia tirara-me o sono e o crime começou a desenhar-se na minha mente. Primeiro pequenos rabiscos de criança que começaram a amadurecer um esboço nitído, com vida. Não dormi nada nessa noite e o dia despontou rapidamente, injectando-me nas veias novas, novos recursos de energia.
Na última lua cheia voltei a não dormir. O homem iria chegar dentro de poucos segundos. Iria sair na sua limusine, alertado por uma emergência que na verdade não existia. Se a sua amante cumprisse com zelo as instruções que eu lhe dera, seria naquela madrugada ou nunca.
Pontualmente, às seis da manhã, a luz da garagem, vomitada por uma janela, deu-me o primeiro sinal de alerta.
Eu esperava com a tesoura aberta no bolso largo do casaco. Ele iria sair em três minutos.
A pedra que escolhera, rugosa, do tamanho de uma laranja grande iria entrar em acção. Agarrei-a com força, olhei para ela, inspirei nos pulmões uma grande golfada de ar húmido, ganhei coragem, e acertei bem no meio da minha testa. Não precisei de bater segunda vez. Uma boa quantidade de sangue escorria-me pela face, alcançando por fim, a camisa branca, maculando-a de vermelho. Não tinha perdido força nas pernas. Deitei-me no alcatrão e fingi-me de morto.
A porta da garagem abriu e o carro preto, dando a curva de acesso ao lugar onde eu estava, iluminou o meu corpo imóvel.
Como previsto, ao ver-me, o homem parou o carro e abriu de imediato a porta. Saíu e veio solicitamente ter com o seu carrasco. A tesoura estava pronta e parecia gelada, como um cubo de gelo que enigmaticamente se cola à ponta dos nossos dedos.
Senti a aproximação dele e esperei. Ele baixou a cabeça e pude sentir a sua respiração no meu pescoço, à medida que ele, com o ouvido, averiguava se eu respirava.
Quase não se pode exprimir os momentos que antecedem um assassinato. O meu coração disparou freneticamente e uma descarga de adrenalina obrigou-me a gritar um grito que eu não conhecia. O homem, assustado, recuou o tronco, ficando com a cabeça exactamente no sítio onde a minha mão, com o braço esticado, lhe acertaria. Nesse momento, se tivesse pensado, certamente teria abortado o crime; em vez disso, uma força tomou contade mim e conduziu o movimento frenético, rápido e frio, e a tesoura cruzou o ar a uma velocidade tal que se enterrou até meio na fronte esquerda do homem que estranhamente não gritou. Como ele ainda se mexesse, retirei a tesoura. A sensação de se retirar uma tesoura do corpo de alguém é a pior parte de um crime. A pele vem atrás do aço frio parecendo querer nos tocar. A aversão de tal momento é tal que nos impele a desistir de tudo e fugir para um qualquer lugar. Mas nesse momento, já a morte entrou em nós, tocando um tambor de pele pouco esticada e sorri desmesuradamente, contente, vivendo acesa no nosso interior mais recôndito. É lá que passa a estar e de lá ordena mais morte. Foi por isso que voltei a espetar a tesoura, agora mais fundo e no olho. Depois perdi a cabeça e não sei o que fiz mais, senão nas notícias principais no dia seguinte, nos jornais da cidade.
"BRUTAL ASSASSINATO VITÍMA PRESIDENTE DA CÂMARA" e "PRESIDENTE DA CÂMARA ESFAQUEADO INÚMERAS VEZES" ou "PRESIDENTE MORRE COM ROSTO COMPLETAMENTE DESFIGURADO"
O sol nesse dia nasceu lentamente. Eu aborvia o seu calor condescendente que me aquecia ao de leve o corpo dorido. O telefone tocou.
"Já li no jornal, posso mandar o envelope?"
"Sim! O porco já está no inferno...podes mandar o envelope!"
"Já lhe lixaste a vida,nunca pensei que o conseguisses, mando mesmo o envelope?"
"O envelope. Manda o envelope!"
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