terça-feira, setembro 13, 2005

O vôo

Não sei já há quanto tempo foi. O meu pai andava a fazer jardinagem e a minha mãe tinha saído para as suas compras diárias. O nosso castelo ficava num monte, entre outros mais baixos. Decidi nesse dia voar com o meu cão, Bubas. O meu pai viu-nos, esboçou o seu natural sorriso compreensivo e disse já distraído com as plantas muito verdes, volta para jantar ou a tua mãe fica preocupada!
Partimos juntos.
Descemos o monte e montámos o nosso cavalo branco. O Bubas adorava andar de cavalo. Afastámo-nos 7 dias e 7 noites só parando para dar de beber e comer ao cavalo. Chegámos a um reino que desconhecíamos e as pessoas olhavam-nos admiradas, cumprimentando-nos sempre com simpatia.
Conseguimos audiência com o rei. Disse-lhe que queríamos voar, se ele podia proporcionar-nos isso, que o meu pai dizia que era impossível. O rei riu e soltou palavras amigáveis por entre as suas barbas brancas como a cal: apareçam as 5 da manhã que o meu mago irá resolver o vosso problema.
O mago de madrugada apareceu vestido de branco opaco e levou-nos ao topo de uma montanha muito alta. Sabem, disse, aqui se faziam noutra era os sacrifícios humanos para se aplacar a ira dos deuses; e continuou, hoje já ninguém acredita em deuses....O seu olhar tranquilo transformou-se e adquiriu uma luminosidade faiscante e terrível. O Bubas ganiu e eu senti um calafrio que me sacudiu todo o tronco. Nesse momento ele gritou com os braços abertos em direcção ao céu e utilizando uma voz que parecia um trovão articulado pelo verbo da nossa língua: Deuses! Ouçam-me! Eles podem voar!
Disse-nos para nos aproximarmos da beira do precipício. A minha mente disse não mas o corpo moveu-se parando-me com a ponta dos pés a beijar o vazio. O Bubas estava na mesma posição. O mago disse com voz serena e hipnótica: Agora, minhas crianças, vão voar. E nesse instante os nossos corpos tombaram para a frente e deixaram-se cair. Percebemos que a queda no solo abaixo era inevitável. Agarrei no Bubas e fechei os olhos. Quando os abri o Bubas estava com aquele ar calmo e parecia sorrir. A 100 metros do solo uma nuvem surgiu do meio do nada. Aterrámos nela. Ela sustentou-nos no ar e parecia que nos ia pousar no chão mas não. Levantou-nos e passou a montanha onde o mago no topo se agitava convulsivamente, espumando pela boca. Soubemos nesse momento que no entanto, o mago estava bem. A nuvem carregou-nos nos céus onde pudemos ver em baixo a formação dos rios, a forma dos lagos e das aldeias, as estradas como veias e o verde pasto dos campos. Ao fim de muito tempo, tendo passádo muitas terras, diferentes e iguais, vislumbrámos o nosso castelo ao longe e um cavalo branco deitado na relva. Era o nosso. A nuvem pousou-nos no chão, dissipou-se e o cavalo acordou num relincho. Voltámos contentes ao castelo. O meu pai estava outra vez a jardinar. Sabia que ia agora ter aguentar a aprovação de um castigo severo. O meu pai olhou para nós e estranhamente sorriu da habitual maneira: Já voltaram? A tua mãe acabou de regressar das compras e está a fazer um lanche, vai lá dizer-lhe que estás cá. Pai? Em que ano estamos? O meu pai virou-se para as plantas e suspirou, 1346, Dezembro. Acabaste de fazer 15 anos.
Sim. Foi nessa altura que esta história se deu.

1 Comentários:

Blogger Lyra disse...

:) fizeste lembrar-me de ícaro .

11:37 da tarde  

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