Experiências

-Epá, não me faças isso outra vez, dói!
-Não gostas? O sofrimento faz parte da construção de um qualquer eu, mais que o prazer!
-Não, não gosto, larga o alicate!
-Prometo-te que a do polegar é a que dói mais, as outras saem como borbulhas maduras que se expremem num segundo.
-Não acredito em ti, és sádica, esta merda dói para caraças. Dizias que era uma experiência transcendental. Isto não tem nada de transcendente. Só doi. É apenas dor. Merda de dor.
-És afinal um fraco. Eu preciso é de um homem. Com H grande.
-Mas... arrancas-me uma unha e vais-te embora assim?
-Vou, só volto quando me deixares arrancar as outras 4. Tens de perceber que o sofrimento te liberta, te torna mais forte.
-Eu sou livre para amar, não para sofrer.
-Mas tu tens de sofrer.
-Eu sei. Mas só o absolutamente necessário.
-Necessário a quê?
-À libertação espiritual. Aos entraves e ao próprio cárcere do sofrimento.
-Já sofreste não já? E és livre??? Não és!
-Sou. Temporariamente livre. Tudo está em constante mudança e tudo se vai alternando: sofrimento, liberdade, liberdade, sofrimento. Não sei como me convenceste a esta parvoíce. Tenho o polegar feito num oito.
-És temporariamente livre?
-Ás vezes, quando a existência universal incide na palma da tua mão tu regozijas e sentes-te impelida a colocá-la em qualquer lado. És livre. E se não tens muita atenção arriscas-te a utilizar mal essa liberdade. Acontece-nos muitas vezes....
-Quais são as consequências?
-O Universo, ainda há pouco na tua mão, solta-se e tu esqueces-te dele. E esse esquecimento faz-te sofrer, deixas de ser livre.
-Então o que temos de fazer?
-Aproveitar as hipóteses de aprendizagem!
-Aprender o quê?
-O que todos temos de aprender. Já te disse: a cuidar bem do Universo e a colocá-lo no único sítio seguro.
-Parece que sabes qual é....
-Sei. Cada um tem o seu.
-Onde é?
-No coração.
-E depois?
-Depois vem o mais difícil. O Nirvana: Mantê-lo sempre lá, em prefeito equilibrio, em prefeito cuidado.
- Estás com boas cores outra vez! Ainda te doi o polegar?
- Estranhamente...já não me dói!!!!!
- Posso te arrancar a do indicador?

Amizade

Foi de certeza isso que te disseram?
Sim, estás despedido!
E fazem isso assim, sem dizer nada a ninguém?
Sabes como as coisas funcionam neste país...!
Não sei, não, estou a saber agora. É perfeitamente injusto!
Não te rales, a verdade vem sempre ao de cima.
Estando neste estado esta conversa o cão começou a ladrar, ele despediu-se dela, ela dele, e o sol, brincalhão, escondia-se por detrás de um prédio.
Vemo-nos amanhã, certo?
Sim. Apareço em tua casa por volta das 5.

Declaração de amor

Não pretendo tomar o teu tempo.
Mas...
Pretendo acompanhar-te para sempre.
Sempre é muito tempo.
Sempre é tempo nenhum. É sempre.
És louco.
Louco é aquele que não sabe que é louco.
Sou louca.
Eu sei e gosto de ti, apesar de estares longe e só falar contigo assim, na imaginação.
Mas eu estou aqui.
Porque eu quero.
Não! Eu quero estar aqui.
Sim. Na minha imaginação.
És louco.
Como tu. E agora que estás não sei bem onde, amando não sei se alguém, vivendo as tuas lutas, não sofro. Imagino sempre que estás bem.
Acalmas-me.
Incendeias-me.
Mas nós nunca nos vimos...
Já falámos.
Sim, ao telefone.
A tua voz, lembro-a, era quente.
A tua era (não tenho imaginação para tanto).
Prometemos encontrar-nos.
Para tomar um café. Mas estou farto de café. Bebo três por dia.Prefiro despir-te.
As roupas que me vestem são pesadas. Não conseguirás despir-me.
Se consegues imaginar do que sou capaz não me poderás amar.
Eu amo-te.
Porque estou a escrever por ti.
Não. Amo-te porque a tua alma é aquela que me alenta.
Isso é somente aquilo que eu desejo.
Não acreditas em mim?
Acredito. Tu és real. Os teus problemas são reais. E mexes comigo como ninguém.Não acredito é em mim. Sou louco. Alguém que passa o tempo a escrever assim só pode ser louco.
Louco é aquele que não sabe que é louco.
Roubas-me as palavras.
Não roubo nada. O que é teu é meu.
Mas tu és eu.
A isso se chama amor. Tu és eu e eu sou tu. Estás em paz?
Sim. Estou. E tu?
Também.