segunda-feira, novembro 07, 2005

A avenida

A mulher olhava-me sentada sozinha a 20 metros de distância, com uma expressão que irradiava solidão. Um homem passou com a perna torta e metade do braço cortado. Outro homem, anão, em sentido contrário, gordo, descreveu uma trajectória diferente e cruzou por trás da mulher que nesse momento tentava inutilmente uma chamada telefónica.
Estou numa avenida. Árvores plantadas erguem-se no meio da calçada, imponentes; reparo agora como tão poucas são as vezes que reparo nelas. As pessoas, às centenas cruzam vindos da esquerda e da direita. Uma velha, de lenço azul na cabeça, senta-se no banco à minha frente para se levantar num passo frágil. Outra mulher tenta também um contacto telefónico. Contacto frustrado. Talvez haja algum problema com o satélite que lá por cima viaja num triunfo do génio humano. Outras pessoas aproveitam os bancos de pedra para descansar, como aquela mulher que a 50 metros de mim se senta de forma tal que lhe consigo ouvir o suspiro. Mesmo ao meu lado um casal idoso conversa. Ouço-lhes as palavras e o tom de voz mas não descodifico as mensagens. Falam tranquilamente e isso é quanto basta para me manter aqui.
O céu está nublado e uma aragem fresca passa-me pelo lado esquerdo do rosto. Finalmente um pássaro; vem de cima e aterra mesmo ao meu lado. Ali ao fundo uma borboleta bate as asas laranja e segue o seu rumo sem que a siga com o olhar.
Estou só. Conscientemente só e não me apetece encontrar ninguém que conheça. Sabe-me bem estar assim, a ver a vida passar, através da minha e do meu registo que agora em paz usufrui deste movimento que não é frenético mas calmo Calmo e ordeiro. Não se vê uma só pessoa a andar de forma apressada. Sim...talvez basta falar para que aconteçam as coisas. Três adolescentes passam sorridentes de andar acelerado.
Provavelmente vou ter de ir. Mas não agora. Vou-me deixar ficar um bocadinho mais. Alguma coisa acaba sempre por acontecer, e se é essa a primeira e principal lei da vida não sou eu agora que a vai cumprir...

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