Uma história V
A manhã dissolvia a noite num avanço constante e inabalável. Os pássaros há muito que haviam começado as conversas despertinas e alguns carros começavam a enfileirar-se na luta quotidiana da movimentação caótica de Lisboa.
André despertou bem disposto, com aquele cd de meditação que Helena lhe oferecera numa das viagens que fizeram. Em vez de se virar para o outro lado, ao abrir os olhos, sorriu com a sensação de que o dia ia ser especial, que lhe ia trazer algo de novo.
Esperara um ano inteiro pela resposta de Rute e o desapontamento inicial que deu lugar à angústia de se adivinhar ignorado originara agora um sentimento forte que estendera as suas raízes na certeza de que de Rute já nada viria. Estava pronto para seguir em frente, esquecer o episódio Amor d'Infância, e embarcar em algo novo. E se os pensamentos que temos se agarram a outros novos porque os primeiros se deram e os proporcionaram ou se, por outro lado, não há entre eles qualquer mecanismo de causa e efeito, o facto é que André não pôde suprimir uma sensação de bem estar ao lembrar-se do jantar desse dia. Há muito que Helena lhe falara do seu Agente de Viagens e do seu olhar crente em supor neste o grande amor da sua vida, a sua alma gémea, e que insistia em que se deviam conhecer dado terem tanta coisa em comum. Ora isto foi o que primeiro catapultou o grande jantar em que André iria conhecer e acompanhar Ana, uma amiga de Helena, que se encontrava no país por acaso. Enquanto deslizava para a torradeira, André pensava serenamente que tudo caminhava conforme os seus desejos, uma amiga de Helena, uma noite de flirt que se podia estender a toda a temporada de permanência de Ana e depois puf, de volta ao nada ou, quem sabe, se naquela emigrantre estava a musa dos seus sonhos; assim estava a disposição de André, naquele ponto em que queremos mas não forçosamente, em que forçamos mas sem querer e em que acreditamos que é hora de deixar andar o barco que depois logo se verá.
Já se sabe ou se supõe neste momento que está o narrador a forjar os acontecimentos para juntar Rute a André, conforme foi anteriormente declarado, porém, e não obstante a tentação, o que vem a seguir relatado trata-se tão somente do acaso do destino que tanta força tem em ser irónico como em incontornável. Sigamos portanto.
Se isto fosse uma daquelas películas de cinema contemporâneo conseguíamos colocar separando o ecrãn ao meio Rute, a acordar noutro ponto de Lisboa ao mesmo tempo que André. Pois tal foi o que exactamente aconteceu. A grande diferença estava nas suas disposições. Se do lado esquerdo do ecrãn pudéssemos colocar André sorrindo como atrás descrito, do lado direito apareceria Rute a abrir os olhos às prestações para no final esboçar logo pela manhã uma expressão horripilante de quem adormeceu em lençóis de seda e acordou no meio de um lamaçal de merda onde os porcos se esponjam. Oinc, oinc fez a Rute transformando o seu mal estar em humor como lhe era francamente conhecido, saindo da cama de estrume a fingir ser um daqueles porcos enormes que se vêem em feiras e se deslocam muito pachorramente. Assim foi, de quatro, até à casa de banho,oinc oinc, onde finalmente assumiu a posição bípede para alcançar a escova de dentes, decidida a arrancar aquele sabor quente e desagradável da boca. À medida que escovava os dentes passava a pente fino mentalmente a agenda do dia e lembrava-se com um sentimento vago de desconforto o jantar marcado com o irmão. Mas não podia adiar. Seria a terceira vez e isso não seria de uma irmã que zela, como ela, pelas relações familiares. "Lá estarei, pronto, não há volta a dar". De repente a voz do irmão ecoou-lhe dentro da parte posterior da cabeça: "É um jantar de casais hein? Tens de levar acompanhante, se não tens namorado...arranja um!"
Lembrou-se do seu já querido amigo e colega de Mestrado e telefonou-lhe a perguntar se queria juntar-se a eles, e Tiago, contente, que sim, que lhe dava mesmo jeito espavonear um pouco e sair do computador.
Dois mais dois mais dois seis.
Por lapso olvidámos aqui o nome do namorado de Helena. "Hugo, despacha-me esse cu, vamos chegar atrasados!" E Hugo depois de se ter despachado com a calma que lhe era por natureza inerente ainda esperou dez minutos por Helena.
Chegaram ao restaurante dez minutos atrasados mas como ainda não tinha chegado ninguém, sentaram-se numa mesa para seis, ao lado de uma outra onde se sentava com uma expressão de abandono um homem novo com mais 5 lugares à sua volta, todos vagos. Helena sentiu um arrepiu lento na espinha mas não disse nada, calou a sensação de deja vu e disse somente a Hugo:" Olha, e se começassemos por uns aperitivos?". Hugo sorriu-lhe, fingiu que lhe ia dizer um segredo e mordeu-lhe de leve a orelha ao mesmo tempo que a enlaçava com o braço direito. Ela deu um gritinho mesclado de riso e quando abriu os olhos exclamou expontânea, Olha quem vem ali!
Fique o leitor sossegado que em breve está este jantar decorrido e digerido mas, à laia de telenovela, deixemos este episódio para um outro dia.
André despertou bem disposto, com aquele cd de meditação que Helena lhe oferecera numa das viagens que fizeram. Em vez de se virar para o outro lado, ao abrir os olhos, sorriu com a sensação de que o dia ia ser especial, que lhe ia trazer algo de novo.
Esperara um ano inteiro pela resposta de Rute e o desapontamento inicial que deu lugar à angústia de se adivinhar ignorado originara agora um sentimento forte que estendera as suas raízes na certeza de que de Rute já nada viria. Estava pronto para seguir em frente, esquecer o episódio Amor d'Infância, e embarcar em algo novo. E se os pensamentos que temos se agarram a outros novos porque os primeiros se deram e os proporcionaram ou se, por outro lado, não há entre eles qualquer mecanismo de causa e efeito, o facto é que André não pôde suprimir uma sensação de bem estar ao lembrar-se do jantar desse dia. Há muito que Helena lhe falara do seu Agente de Viagens e do seu olhar crente em supor neste o grande amor da sua vida, a sua alma gémea, e que insistia em que se deviam conhecer dado terem tanta coisa em comum. Ora isto foi o que primeiro catapultou o grande jantar em que André iria conhecer e acompanhar Ana, uma amiga de Helena, que se encontrava no país por acaso. Enquanto deslizava para a torradeira, André pensava serenamente que tudo caminhava conforme os seus desejos, uma amiga de Helena, uma noite de flirt que se podia estender a toda a temporada de permanência de Ana e depois puf, de volta ao nada ou, quem sabe, se naquela emigrantre estava a musa dos seus sonhos; assim estava a disposição de André, naquele ponto em que queremos mas não forçosamente, em que forçamos mas sem querer e em que acreditamos que é hora de deixar andar o barco que depois logo se verá.
Já se sabe ou se supõe neste momento que está o narrador a forjar os acontecimentos para juntar Rute a André, conforme foi anteriormente declarado, porém, e não obstante a tentação, o que vem a seguir relatado trata-se tão somente do acaso do destino que tanta força tem em ser irónico como em incontornável. Sigamos portanto.
Se isto fosse uma daquelas películas de cinema contemporâneo conseguíamos colocar separando o ecrãn ao meio Rute, a acordar noutro ponto de Lisboa ao mesmo tempo que André. Pois tal foi o que exactamente aconteceu. A grande diferença estava nas suas disposições. Se do lado esquerdo do ecrãn pudéssemos colocar André sorrindo como atrás descrito, do lado direito apareceria Rute a abrir os olhos às prestações para no final esboçar logo pela manhã uma expressão horripilante de quem adormeceu em lençóis de seda e acordou no meio de um lamaçal de merda onde os porcos se esponjam. Oinc, oinc fez a Rute transformando o seu mal estar em humor como lhe era francamente conhecido, saindo da cama de estrume a fingir ser um daqueles porcos enormes que se vêem em feiras e se deslocam muito pachorramente. Assim foi, de quatro, até à casa de banho,oinc oinc, onde finalmente assumiu a posição bípede para alcançar a escova de dentes, decidida a arrancar aquele sabor quente e desagradável da boca. À medida que escovava os dentes passava a pente fino mentalmente a agenda do dia e lembrava-se com um sentimento vago de desconforto o jantar marcado com o irmão. Mas não podia adiar. Seria a terceira vez e isso não seria de uma irmã que zela, como ela, pelas relações familiares. "Lá estarei, pronto, não há volta a dar". De repente a voz do irmão ecoou-lhe dentro da parte posterior da cabeça: "É um jantar de casais hein? Tens de levar acompanhante, se não tens namorado...arranja um!"
Lembrou-se do seu já querido amigo e colega de Mestrado e telefonou-lhe a perguntar se queria juntar-se a eles, e Tiago, contente, que sim, que lhe dava mesmo jeito espavonear um pouco e sair do computador.
Dois mais dois mais dois seis.
Por lapso olvidámos aqui o nome do namorado de Helena. "Hugo, despacha-me esse cu, vamos chegar atrasados!" E Hugo depois de se ter despachado com a calma que lhe era por natureza inerente ainda esperou dez minutos por Helena.
Chegaram ao restaurante dez minutos atrasados mas como ainda não tinha chegado ninguém, sentaram-se numa mesa para seis, ao lado de uma outra onde se sentava com uma expressão de abandono um homem novo com mais 5 lugares à sua volta, todos vagos. Helena sentiu um arrepiu lento na espinha mas não disse nada, calou a sensação de deja vu e disse somente a Hugo:" Olha, e se começassemos por uns aperitivos?". Hugo sorriu-lhe, fingiu que lhe ia dizer um segredo e mordeu-lhe de leve a orelha ao mesmo tempo que a enlaçava com o braço direito. Ela deu um gritinho mesclado de riso e quando abriu os olhos exclamou expontânea, Olha quem vem ali!
Fique o leitor sossegado que em breve está este jantar decorrido e digerido mas, à laia de telenovela, deixemos este episódio para um outro dia.
1 Comentários:
necessario verificar:)
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