sexta-feira, setembro 20, 2013

A selva



Arreliado por moscas investidoras, conseguia a calma com movimentos harmoniosos, adequados e profícuos.
O calor fazia tremer o horizonte da savana. As árvores, sequiosas, faziam esticar as suas raízes, com esforços redobrados, no intuito de captar réstias de humidade, e nos seus ramos descansava um grupo de macacos sob a vigilância cerrada do macho dominante que zelava pela dinâmica relacional dos seus companheiros, ao mesmo tempo que cuidava do espaço em redor, antecipando a chegada de predadores, garantindo a segurança, o repouso e o bem-estar de todos. O rio serpenteava ao longe, como se fosse o bicho malevolente que um dia ajudou a desencadear a origem do mal, e as zebras pastavam, umas mais nervosas que outras, mas todas numa aparente calma, apenas refutada por arrepios constantes da pele e movimentos bruscos da gorda cauda que chicoteava insectos alados e vampirescos.
As leoas deitadas, de pança cheia, observavam as crias que brincavam umas com as outras, mordendo-se e patapeando-se, exercitando inocentemente capacidades vitais; uma delas, a mais curiosa, num relâmpago de tempo, encontrou o olhar do progenitor que a fitou  atentamente por um segundo e que num ápice, afastou as pálpebras abrindo rapidamente muito os olhos para os baixar logo de seguida. A cria, estimulada pela inteligência e sabedoria do pai, saltou e pôs-se em corrida, atacando-o.
 O grande leão, contente, deixou as patas do filho bofetearem-no repetidamente, encarando-as como doces carícias; o pequeno, cansado da brincadeira, passou a morder com cuidado as patas do rei da selva, estabelecendo sem cessar pequenos contactos visuais, até que o leãozinho decidiu morder o focinho do ser donde proveio, magoando-o. No instante seguinte a ter provocado a dor, o infante retraiu-se e olhou a expressão do pai, desagradada. A criança felina compreendeu um pouco da sua força, e deixou-se cair deitando-se, atónita. Então o pai, orgulhoso do crescimento recente do primogénito, baixou a cabeça e, com carinho, passou a língua rugosa pela face do seu primeiro filho que, sentindo alívio, suspirou e entrou em estado imediato de sonho. O leão levantou o olhar e viu a sua fêmea preferida olhá-lo atenta e docemente. O macho, como num comando invisível e telepático, chamou-a; ela levantou-se devagar, caminhou majestosamente até ele que a recebeu com um brilho sorridente no olhar. Ela retribuiu a faísca e deitou-se, baixando os olhos devagar, mais calma que nunca, começando a ronronar.
O leão, também apaziguado, bocejou profundamente e ergueu-se com a lentidão relaxada do tempo impiedoso.
 Olhou tudo em redor.
 Viu o horizonte tremer de calor, as árvores a procurarem bebida e o macaco dominante a fitar algo ao longe.
E as zebras, quando sentiram o seu olhar, ergueram as cabeças. Uma a uma, cada qual no seu sobressalto, pôs-se em sentido.

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