O peixe
O rio em velocidade convulsionava-se, agitado menos por dor e mais por se
sentir furioso, descia a encosta, ora lambendo o lado esquerdo da margem ora
lambendo o direito, mantendo-se denso, compacto e firme no meio do seu caudal.
Uma vara de eucalipto tosquiada, tornada lisa e clara, à qual mãos
esculpidas pelo tempo prenderam na ponta fina um fino fio de nylon, um anzol
escarpado e, para dar profundidade à armadilha, três chumbos de peso acertado,
tremia num inconfundível sinal.
A sensibilidade atenta do pescador
arrancaram-lhe uma fracção de sorriso, rapidamente desaparecida para dar lugar
a uma expressão resoluta, o peixe é grande, vai dar luta.
O vento derrapava entre a luz, e à volta do homem o único som que se ouvia
era o do silêncio e o da aflição do peixe que se debatia com todas as suas
forças para escapar ao comando inflexível, para se furtar à força do objecto
produzido por uma inteligência superior e refinada, para si inconcebível,
inexplicável e inimaginável.
Na verdade o pescador nada sabia sobre o que, dentro de água, se passava à
volta do seu peixe; ignorava se os outros peixes, os da sua espécie, tinham
consciência da desgraça do seu companheiro; em águas agitadas como estas,
pensou, estes animais não devem andar em cardume, mas mesmo assim, continuou,
quem sabe, se por força de um esquema social, não mantém contacto visual entre
eles?
O peixe cansado de resistir, fatigado de lutar, cedeu, e deixou-se conduzir
por entre o meio que era o seu para outro que só vira em segundos, nos saltos
que dera para caçar moscardos apetitosos.
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