Guerra
Os estilhaços soltaram
gargalhadas espalhando-se pelo chão. Ele, mergulhado no Guernica de Picasso, na
penumbra oferecida pelos candeeiros da rua, vasculhava o tempo e abanava os
seus inexoráveis pilares no intuito de no presente poder vislumbrar as vestes
brancas e aladas do futuro.
A granada partira o vidro da
divisão onde dormia o quinto e o sexto dos seus filhos. Da sala de estar
percebeu logo o que tinha acontecido e voou para o quarto atacado. Agarrou no
objecto de guerra, e ao atirá-lo pela janela conseguiu distinguir, num ápice, pela
expressão comprometida dos ocupantes, o veículo donde saíra o instrumento de
morte e, no último instante, dirigir a trajectória na sua direcção. A granada
bateu no mar negro do asfalto e rolou, como um bicho-de-conta nas mãos de um
menino curioso e brincalhão, até debaixo do carro culpado. Nesse momento, o
condutor largou a embraiagem, carregando a fundo no acelerador, provocando a
rotação das rodas traseiras sobre si mesmas, castigando o solo construído,
provocando uma nuvem com cheiro a borracha queimada. Esse instante em que não
arrancou foi-lhes fatal.
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