O elefante
Pisava pesadamente o
caminho milenar.
A graça dos seus movimentos
harmonizava-se com o movimento lento das constelações que, àquela hora da
madrugada, ainda brilhavam, calmamente.
Caminhara três dias e três noites;
o cansaço, somente gerido por momentos ocasionais de descanso, permitia-o aguentar a contenda perseverantemente.
O velho elefante mantinha o olhar no horizonte, não perdendo de vista o que
perto estava. Adivinhava, para lá da última linha de árvores, o final da sua
odisseia. O instinto animal, esgrimido com a sabedoria dos progenitores e
anciãos, guiara-o desde a nascença e
permitiram-lhe viver uma vida plena, possante e cheia de memória. Tinha atrás
dele setenta anos de experiências e a recente queda dos seus molares impedia-o
de se alimentar.
Desde que começara a travessia
consciente ditada pelos derradeiros tempos de velhice, começou a examinar, muito
lenta e rigorosamente, as imagens, sons e sentimentos da sua vida.
Transposto o limiar físico que
separa o espaço de vida do sítio de morte, o elefante estacou. Os olhos
arregalaram-se-lhe sobre uma visão grandiosa. Num vale redondo como o disco
solar, repousavam num silêncio branco as ossadas de elefantes de outras
linhagens, bem como de seus antepassados. Um frémito percorreu-lhe o corpo
inteiro e o elefante sorriu. Caminhou devagar, olhando para a esquerda e para a
direita com os sentidos mais apurados que nunca. Enchia-o de alegria pacificadora
o odor, a luz, e a própria temperatura daquele ambiente. Quando chegou ao fim
do mar de ossos sentiu um impulso para se deitar. Porém, antes disso, levantou
olhar para, uma última vez mais poder ver a linha do horizonte e distinguiu, uma
dezena de metros à frente, as ossadas de um último animal. Baixou a cabeça,
dividido entre o deixar-se cair pesadamente e o avançar e decidiu-se por um último esforço.
Antes de se desencadear o clarão
neuronal responsável pelo primeiro movimento percursor da sua última caminhada,
inspirou profundamente ganhando novas energias.
Ao chegar ao lado do esqueleto destacado
do grande conjunto de ossadas, cheirou-o longamente, rodeando-o várias vezes até ter um
pressentimento; um arrepio bom dançou por
todo o seu enorme corpo até que ele teve a alegre e reconfortante certeza, este aqui é quem eu há já tanto tempo não via, este aqui é o meu pai.
Colocando o progenitor entre o
grupo e ele próprio, como que protegendo-o, deitou-se calmamente e adormeceu.
Sonhou com olhares que o observavam
afectuosamente , de forma espantada, maliciosamente ou ainda de forma hostil. Os olhos deixaram-no e ele voou a uma velocidade espantosa, percorrendo os territórios que conhecera e que haviam sido dele.
O presentemente maior animal da nossa terra tão bonita despediu-se assim da vida, sonhando. E fisicamente, a última coisa que o seu cérebro experimentou foi a produção de substãncias químicas que proporcionaram a mais um dos reis da terra, o último e supremo prazer.
O presentemente maior animal da nossa terra tão bonita despediu-se assim da vida, sonhando. E fisicamente, a última coisa que o seu cérebro experimentou foi a produção de substãncias químicas que proporcionaram a mais um dos reis da terra, o último e supremo prazer.
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial