domingo, setembro 15, 2013

O elefante



Pisava pesadamente o caminho  milenar.
A graça dos seus movimentos harmonizava-se com o movimento lento das constelações que, àquela hora da madrugada, ainda brilhavam, calmamente.
Caminhara três dias e três noites; o cansaço, somente gerido por momentos ocasionais de descanso,  permitia-o aguentar a contenda perseverantemente. O velho elefante mantinha o olhar no horizonte, não perdendo de vista o que perto estava. Adivinhava, para lá da última linha de árvores, o final da sua odisseia. O instinto animal, esgrimido com a sabedoria dos progenitores e anciãos,  guiara-o desde a nascença e permitiram-lhe viver uma vida plena, possante e cheia de memória. Tinha atrás dele setenta anos de experiências e a recente queda dos seus molares impedia-o de se alimentar.
Desde que começara a travessia consciente ditada pelos derradeiros tempos de velhice, começou a examinar, muito lenta e rigorosamente, as imagens, sons  e sentimentos  da sua vida.
Transposto o limiar físico que separa o espaço de vida do sítio de morte, o elefante estacou. Os olhos arregalaram-se-lhe sobre uma visão grandiosa. Num vale redondo como o disco solar, repousavam num silêncio branco as ossadas de elefantes de outras linhagens, bem como de seus antepassados. Um frémito percorreu-lhe o corpo inteiro e o elefante sorriu. Caminhou devagar, olhando para a esquerda e para a direita com os sentidos mais apurados que nunca. Enchia-o de alegria pacificadora o odor, a luz, e a própria temperatura daquele ambiente. Quando chegou ao fim do mar de ossos sentiu um impulso para se deitar. Porém, antes disso, levantou olhar para, uma última vez mais poder ver a linha do horizonte e distinguiu, uma dezena de metros à frente, as ossadas de um último animal. Baixou a cabeça, dividido entre o deixar-se cair pesadamente  e o avançar e decidiu-se por um último esforço. Antes de se desencadear o  clarão neuronal responsável pelo primeiro movimento percursor da sua última caminhada, inspirou profundamente ganhando novas energias.
Ao chegar ao lado do esqueleto destacado do grande conjunto de ossadas, cheirou-o  longamente, rodeando-o várias vezes até ter um pressentimento;  um arrepio bom dançou por todo o seu enorme corpo até que ele teve a alegre e reconfortante certeza, este aqui é quem eu há já tanto tempo não via, este aqui é o meu pai.
Colocando o progenitor entre o grupo e ele próprio, como que protegendo-o, deitou-se calmamente e adormeceu.
Sonhou com olhares que o observavam afectuosamente , de forma espantada, maliciosamente ou ainda de forma hostil. Os olhos deixaram-no e ele voou a uma velocidade espantosa, percorrendo os territórios que conhecera e que haviam sido dele.
O presentemente maior animal da nossa terra tão bonita despediu-se assim da vida, sonhando. E fisicamente, a última coisa que o seu cérebro experimentou foi a produção de substãncias químicas que proporcionaram a mais um dos reis da terra, o último e supremo prazer.

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