domingo, novembro 18, 2007

Manias

Quando chegou à varanda viu o vizinho de calções e camisa engomada, a andar sorrateiramente e a girar a cabeça furtivamente de um para o outro lado enquanto tirava o pénis de dentro dos calções para se aliviar na levada que passava em frente da casa de ambos. Um vivia em baixo. O outro vivia em cima. O de baixo era o vizinho que explorava a parte de cima. Isto de exploradores e de explorados começou quando Deus fez o mundo; se não fosse assim os mandamentos não seriam 10 mas sim 11.
A manhã estava fresca e novinha em folha, tinha acabado de passar aquele momento de luz em que a madrugada perde aquele encanto calmo e especial para dar lugar à primeira agressividade da manhã, sob a qual qualquer animal estremece, mesmo que não acorde. Aquele momento em que qualquer homem abençoado pelo tempo, espaço, sensibilidade e razão, somos muitos assim, somos é muitos mais assado, em que qualquer homem abençoado, dizia, pode dizer num segundo "o que foi foi, o que é é, e agora tudo mudou"
O explorador, mal agarrara no pénis desviou o olhar para cima para esbarrar no olhar do explorado, acontecimento pouco usual e ainda menos confortável entre homens e que provocou no que tinha a arma na mão uma reacção dupla e natural de protecção: começou a falar, ao mesmo tempo que com um movimento de anca lhe virava as costas. As primeiras palavras foram "olha! é mesmo aqui!" O resto do discurso foi conversa banal mas necessária a que o seu esfinctér relaxasse para que a urina fluisse e fosse de encontro à água pura, utilizada por mulheres, alguma distância mais abaixo e alguma distância mais acima para lavar roupa.
Ele não se importava. Tinha uma máquina de lavar roupa em casa.
A razão porque o narrador deu a este texto o título manias e também porque não se esforçou para ir contra corrente ao encontro dele é uma e só uma: a mesma que o leva a desabafar sozinho em casa enquanto lava o prato no lavatório: "33 anos, 33 anos" Um cansaço saudável e vaidoso. Saudável e vaidoso.
Quando o explorador abanava a pila com cuidado para não se sujar, o explorado disse-lhe: "Sabes que há no médio oriente uma corrente cristã com 11 mandamentos? Os 10 primeiros são iguais aos nossos!" E o explorador, contente e satisfeito, perguntou-lhe numa gargalhada bem disposta: "Então qual é esse teu 11º mandamento?"
"Não é meu, é de Deus: Não mijarás na água que os outros usam!"
Então ao explorador apeteceu colaborar com o narrador e disse ao explorado, acabando com o tom a conversa abruptamente como quem diz estás aqui estás na rua, "Cá para mim és paneleiro, tens cá umas manias!"

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