O caminho
No outro dia fui dar um passeio de descoberta. Parei o carro numa aldeia pequenina e enverguei por um caminho indicado por um ancião que repousava à sombra de uma grande árvore tropical. Por entre aquelas duas grandes rochas, disse-me, encontrará um caminho que o levará bem longe daqui; e se quer que lhe diga a verdade esse caminho é mágico e ambiguo, tanto pode levá-lo ao paraíso como ao inferno, depende de si.
E mostrando-me as gengivas num enorme sorriso e olhar malicioso, acrescentou, pense duas vezes. Retribuí-lhe o sorriso e desejei-lhe um resto de vida bom. Virei-lhe costas, mas não tinha ainda dado dois passos, parei, e voltei a cabeça para trás a fim de lhe perguntar se já tinha feito aquele caminho. O ancião já não estava lá. Não preciso de explicar com muitas palavras o quão surpreendido fiquei. Fiquei surpreendido, e sem querer pensar no assunto virei-me resolutamente em direcção às duas rochas para começar a minha aventura.
Chegando à entrada, ou seria a saída?, uma ave de rapina apareceu dela e arranhou-me levemente o crâneo, ao mesmo tempo que levantava vôo guinchando, em direcção a um poste de iluminação antigo. Da base do poste surgia uma melodia doce de flauta de madeira. O velho ancião, de olhos fechados, tocava com uma expressão de total sofrimento. Aquele sofrimento paradoxal que experimentamos quando estamos a sentir algo de trascendentalmente muito bom e que nos toca no íntimo. De repente abriu os olhos que se fixaram directamente nos meus, atirando-me para cima a maior calma do mundo. Então perguntei-lhe, já fez alguma vez este caminho? e ele respondeu, trinta e cinco vezes! A voz dele, apesar de ter sido indiscutivelmente real, chegou a mim sem que ele tivesse movido os lábios.
De coisas insólitas está o mundo cheio, pensei, e entrei no caminho convicto de que ia encontrar portas por abrir.
Passado somente 30 metros o caminho abria-se em dois. Tomei o esquerdo. Outros 30 metros à frente e lá estava o caminho a dividir-se outra vez em dois. Insisti no esquerdo. Caminhei mais 30 metros e o caminho continuava em frente até surgir uma pequena curva à direita, que desembocava num túnel donde saía o mais abrupto tipo de escuridão que alguma vez presenciei; uma escuridão que me lambia o rosto comprimindo-o a três dimensões. Foi então que pensei, vou ficar aqui para sempre, isto é o inferno. A palavra surgiu-me na mente, INFERNO, com todo o poder das maíusculas. Porém, essa palavra sofreu uma rápida e completa metarmofose, surgindo dela um pequeno ser todo branco que, alado, voou dentro do meu cérebro expandindo-o temporalmente. Vi o começo da própria vida. Átomos a juntarem-se aliatoriamente, formando moléculas, as moléculas juntarem-se a outras formando seres simples e todo o caminho percorrido dos mares até à terra. Um caminho que todos nós percorremos. Depois só vi sangue. Guerras ancestrais onde os mortos já eram humanos, onde os vivos humanos eram, e lembro-me com a claridade de um cristal de me aparecer à frente Hitler que, rodeado de merda, sorria como uma criança contente. Quando deixei de o ver reparei que tinha os olhos fechados e, quando os abri, estava com a ponta dos pés a saborear o vazio de um precipício donde se podia ver uma extensão interminavel de vales e montanhas, pintados com o verde da natureza virgem. Eu não dei um passo, no entanto, quando percebi já estava caindo por ali abaixo, percebendo que a morte era inevitável para mim. Aceitei-a e gozei a última viagem. Ao bater no solo morri instantâneamente. Não sei como estou a escrever isto.
E mostrando-me as gengivas num enorme sorriso e olhar malicioso, acrescentou, pense duas vezes. Retribuí-lhe o sorriso e desejei-lhe um resto de vida bom. Virei-lhe costas, mas não tinha ainda dado dois passos, parei, e voltei a cabeça para trás a fim de lhe perguntar se já tinha feito aquele caminho. O ancião já não estava lá. Não preciso de explicar com muitas palavras o quão surpreendido fiquei. Fiquei surpreendido, e sem querer pensar no assunto virei-me resolutamente em direcção às duas rochas para começar a minha aventura.
Chegando à entrada, ou seria a saída?, uma ave de rapina apareceu dela e arranhou-me levemente o crâneo, ao mesmo tempo que levantava vôo guinchando, em direcção a um poste de iluminação antigo. Da base do poste surgia uma melodia doce de flauta de madeira. O velho ancião, de olhos fechados, tocava com uma expressão de total sofrimento. Aquele sofrimento paradoxal que experimentamos quando estamos a sentir algo de trascendentalmente muito bom e que nos toca no íntimo. De repente abriu os olhos que se fixaram directamente nos meus, atirando-me para cima a maior calma do mundo. Então perguntei-lhe, já fez alguma vez este caminho? e ele respondeu, trinta e cinco vezes! A voz dele, apesar de ter sido indiscutivelmente real, chegou a mim sem que ele tivesse movido os lábios.
De coisas insólitas está o mundo cheio, pensei, e entrei no caminho convicto de que ia encontrar portas por abrir.
Passado somente 30 metros o caminho abria-se em dois. Tomei o esquerdo. Outros 30 metros à frente e lá estava o caminho a dividir-se outra vez em dois. Insisti no esquerdo. Caminhei mais 30 metros e o caminho continuava em frente até surgir uma pequena curva à direita, que desembocava num túnel donde saía o mais abrupto tipo de escuridão que alguma vez presenciei; uma escuridão que me lambia o rosto comprimindo-o a três dimensões. Foi então que pensei, vou ficar aqui para sempre, isto é o inferno. A palavra surgiu-me na mente, INFERNO, com todo o poder das maíusculas. Porém, essa palavra sofreu uma rápida e completa metarmofose, surgindo dela um pequeno ser todo branco que, alado, voou dentro do meu cérebro expandindo-o temporalmente. Vi o começo da própria vida. Átomos a juntarem-se aliatoriamente, formando moléculas, as moléculas juntarem-se a outras formando seres simples e todo o caminho percorrido dos mares até à terra. Um caminho que todos nós percorremos. Depois só vi sangue. Guerras ancestrais onde os mortos já eram humanos, onde os vivos humanos eram, e lembro-me com a claridade de um cristal de me aparecer à frente Hitler que, rodeado de merda, sorria como uma criança contente. Quando deixei de o ver reparei que tinha os olhos fechados e, quando os abri, estava com a ponta dos pés a saborear o vazio de um precipício donde se podia ver uma extensão interminavel de vales e montanhas, pintados com o verde da natureza virgem. Eu não dei um passo, no entanto, quando percebi já estava caindo por ali abaixo, percebendo que a morte era inevitável para mim. Aceitei-a e gozei a última viagem. Ao bater no solo morri instantâneamente. Não sei como estou a escrever isto.
3 Comentários:
«sofrimento paradoxal que experimentamos quando estamos a sentir algo de trascendentalmente muito bom e que nos toca no íntimo»
Gostei do texto todo, mas este pedaço tem algo de sublime e de belo, dois elementos essenciais na minha vida, não fosse eu do signo Balança
Isabel, é bom quando alguém gosta de algo que fazemos. E... "sublime" e "belo" são dois grandes elogios. Obrigado!
Agora, se me dá licença, vou dar uma espreitadela melhor ao seu blog.
Obrigada. : )
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