sexta-feira, junho 30, 2006

Ecologia

Eram aqueles tempos de descrição. Os homens andavam na rua e não se olhavam. Cada um metido na sua vida que o caminho era tortuoso e difícil.
O governo tinha montado uma rede de espiões para detectar oponentes ao regime pelo que cada desconhecido representava uma ameaça. Se alguém metia conversa, esta tinha de ser cuidadosamente conduzida para que não se escapassem práticas que o poder proibia. As fronteiras estavam fechadas e a saída do país ou se fazia na clandestinidade, com o perigo da prisão, ou com um visto que era dado somente a uma minoria.
Porém alguns homens não se acomodaram,organizaram-se, lutaram, foram presos, morreram pela causa que de um momento para o outro vingou. O governo caiu. Surgiu um outro e as pessoas passaram a sorrir respirando a liberdade de estar à vontade e tranquilas com os outros. Sem ameaças, sem medo. As pessoas plantaram flores nos seus jardins e mostravam-nas umas às outras. Mas isto foi transitório. A felicidade da liberdade rapidamente esmoreceu e deu lugar outra vez ao receio, ao fechar de olhos, portas e cortinas. As flores murcharam. A liberdade dentro da liberdade morreu. A história repetiu-se. Mas a dificuldade aumentou. A cegueira instalou-se. A guerra era inexorável e subtil. Não era dado ao homem viver em paz sem guerra. Continuaram a existir pessoas que não se acomodaram, que lutaram todos os dias pela liberdade e os verdadeiramente sérios ainda iam presos pela causa. Já não se morria. Já não se matava.
Hoje não há países, levitamos e voamos, comemos pouco, verificámos que há planetas iguais ao nosso mas que estão a uma distância que permite apenas uma comunicação penosamente lenta, pouco viável. Andamos a cuidar dos estragos feitos nesta única casa que temos. Talvez um dia, ainda não sabemos, seja possível outra vez a vida no mar.

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