Cíúmes
Levantou-se por impulso exterior. Encontrava-se sentado há
três horas, absorto na luz do entardecer, num estado normal de hipnose auto-induzida.
Era assim desde que o seu primogénito tomou um frasco de comprimidos que o
levaram desta nossa terra onde tudo está em movimento e nada está parado. Desde
esse fatídico dia que adquiriu o hábito de meditar aos fins de tarde, a tentar
perceber porque é que o seu belo filho fez o que fez, Porquê?, perguntava com
os pensamentos no topo da cabeça, Porquê?.
Os dias passam sempre, e o que é difícil para uns é fácil
para outros. É preciso coragem para tomar uma dose mortal de medicamentos. A
ideia de não acordar intimida qualquer um.
Porquê? Perguntava o pai, obcecado, Porquê? E, no momento
mais sublime dos seus pensamentos, gritou para dentro da sua mente. Porque sim,
pôrra! Porque sim! E este grito, a jeito de resposta, aumentou o espaço,
varrendo tudo o que estava a mais na sua cabeça. Restando só uma dor pequena, transformada
numa carícia insondável.
Naquela tarde levantou-se bruscamente no momento em que
alguém atirou uma pedra que partiu o vidro da sala onde se encontrava. Mal
sabia ele que o autor de tal afronta tinha sido o seu filho mais novo, embebido
de uma espécie de ciúme. Quando foi à janela já o filho atormentado se tinha
escapulido. Quem terá feito isto? Perguntou-se inquieto. E quando encontrou a
pedra arremessada verificou que tinha uma mensagem agarrada a ela. Dizia em
fortes maiúsculas, ESTÁ NA HORA DE ACORDARES. CONCENTRA-TE NO FILHO QUE TE
RESTA.
Nesse dia, o pai,
quando o filho mais novo chegou a casa, agarrou-o e apertou-o com ambos os
braços num abraço indestrutível. Nesse momento de encontro aos dois foi dado
lacrimejar. Quando, por fim, o abraço findou, as lágrimas foram enxutas. O
filho tinha o pai de volta; o pai recuperara o filho vivo e enterrara o morto
num local especial da sua mente
As coisas que fazemos podem construir ou destruir. Ambas as
situações namoram e, ao fim de algum tempo, aprendemos a manejar as duas em
prol de nós mesmos, em prol dos outros. Só assim se pode caminhar todos os
dias, um a seguir a outro: fazendo omeletes com os ovos que o quotidiano nos oferece.
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