os dois num só
A chuva caía do céu sem estrelas enquanto a noite parecia
sorrir.
Eles dançavam, molhados, no meio da rua, sentindo que fora deles nada
existia, que tudo havia sido feito para aquele momento, para os dois se inventarem
juntos, colados um no outro. Então, riam, saltavam, corriam, abraçavam-se, até
que chegaram a um relvado, imenso como o mar. Deixaram-se cair e rebolaram na
relva, contentes, para se unirem pelos lábios um do outro num beijo molhado e
profundo; e, de tanto se gostarem,
ficaram assim, unidos pelas bocas, muito tempo, até que deixou de chover.
O
acontecido fez-se notar e eles olharam o céu apagado de estrelas, com nuvens
que pareciam apressadas, voando como ninguém, como se esse ninguém tivesse uma
mensagem importante a entregar a outro ninguém ainda muito longe dali.
A chuva levou-lhes o
beijo e toda a magia que até então tinham sentido. Sentiram-se parvos, como
quem é apanhado em falta numa mentira infantil, frágil e gratuita. Ele olhou
para ela, ela olhou para ele, e a única coisa que passaram a ter foi a
realidade um do outro, separadas por um abismo tão colossal que a única coisa
que passaram a estranhar era o facto de ainda se poderem olhar. Era a única coisa que o mundo lhes oferecia naquele momento: O olhar um
do outro.
Ora no silêncio a
alegria não vive, mas trabalha incessantemente como aquilo que no silêncio é:
uma pequena lagarta que depois de bem alimentada tece o seu casulo. Foi isso que
os dois fizeram quando só tinham o olhar um do outro: teceram um casulo de
alegria que num longo minuto ficou pronto. Nesse momento eles riram a
gargalhada da pura felicidade, muito alto, em uníssono e com a energia lenta e poderosa que faz mover
as plantas, o pensamento, os planetas, as estrelas e com eles, as galáxias.
Foi então que ele
gritou rindo: ”queres casar comigo?” ao que ela respondeu também rindo e
gritando para o céu: “quero!” E nesse preciso momento, em que as cores dos seus
olhos se entrelaçaram numa terceira cor, a chuva desatou a cair novamente,
desta vez com mais força: “Chuva, gritaram ambos, casa-nos!” E ele acrescentou:
“e não te esqueças de nós!”
E foi com a chuva a cair que os dois se entregaram ao amor,
para conceberem uma criança que um dia cresceu e se tornou adulta quando
percebeu que as lágrimas não foram feitas para secarem no rosto.
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