sábado, maio 03, 2008

Plim

Tudo escuro. Os óculos escuros protegiam-lhe as órbitras. O acordeão tocava. A música era sublime. O homem tocava um estilo próprio de clássica. Não sabia ler pauta mas era ela quem compunha a sua música. As pessoas passavam e de vez em quando a caixa de metal tilintava ao cair de uma moeda. Plim. O cego compositor sorria sempre em agradecimento, ao ouvir aquele som, Plim. As pessoas já maravilhadas de ouvido maravilhavam-se ao cintilar dos dentes dele. Tudo escuro. O acordeão tocava. Os óculos escuros protegiam-lhe as órbitras esventradas.
Toda a gente sabe por experiência própria que há momentos especialmente especiais. Harmonia. Para o cego todos os momentos eram especiais. Percebia e conhecia o mundo como a palma das suas mãos. Palmas que nunca vira. Uma coisa o deliciava. Quando a moeda se juntava às suas notas de forma magistral. O magistral é magistral. Nesses momentos acompanhava o sorriso com um aceno de cabeça.
Lá fora, na entrada do metro, no topo das escadas um homem que via encostou-se ao muro de mármore a enrolar um cigarro quando começou a ouvir a música. Perdeu-se no tempo e ficou absorto. Hipnotizado. Quando veio a si desceu as escadas calmamente, e ao fundo viu o músico que não sabia ler pautas. Quando chegou ao pé dele meteu a mão ao bolso e encheu a mão de moedas. Já iam no ar agarradas à lei da gravidade quando o músico concluiu a música de repente. Foi toma lá dá cá. A música a parar e as moedas a estatelarem-se na caixa de metal. O cego sentiu um arrepiu instântaneo na espinha que lhe subiu às cordas vocais transformando-se numa gargalhada de prazer. O outro sorriu. A coisa tinha calhado mesmo bem.
O homem que via disse, acabou?
O homem que não via respondeu, percebendo pela voz a idade do outro, agora mesmo, vou tomar um cházinho ali numa casa cuja dona é um amor de mulher. Gosta de chá?
Bebo todos os dias!
Tem pressa?
Nenhuma.
Venha comigo. Temos muito que conversar, não temos?
Certamente! Como se chama?
Pipa...
Plim.

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