O chamamento
Aquela montanha nasceu aquando as primeiras erupções daquele continente. Foi a única que sobreviveu às que vieram a seguir. Era portanto a mais alta, furando com o seu cume delicado o princípio do céu.
Naquela noite, José Bisgatelim, pastor de ofício herdado de gerações esquecidas, decidiu fazer um passeio antes do despontar da madrugada. Dado a sonos certos e regulares, viu-se perante algo inusitado: a escuridão. Abrira de repente os olhos que ficaram muito abertos ao encontro de uma parede de negro que brotava da noite sossegada, e um só pensamento lhe povoava a mente deserta: “É isto um chamamento?” Normalmente sério, o seu rosto estava agora severo, rude, poder-se-ia dizer mesmo que aquele homem tinha recebido a notícia que punha em causa a existência de alguém ou algo que lhe era particularmente querido e pela qual sentia a emergência natural de vestir as vestes de guerra. Mas não, sentia-se em paz... Nesse momento desviou, no escuro, os olhos em direcção ao som do sino que anunciava as duas horas da manhã. O seu semblante num segundo se modificou. Sorriu com descontracção ao pensar que em toda a sua vida jamais tinha ouvido o sino dar aquelas duas badaladas. Levantou-se. Sentia-se estranhamente desperto, com o corpo enérgico, cheio de força. “Um chamamento?” Pôs-se dentro das roupas do dia anterior e saiu de casa.
O caminho que tomou poderia levava-lo à montanha, ele não sabia mas era para lá que se dirigia. Percebeu que nunca tinha andado assim. A cabeça estava separada do corpo e não pensava, não regulava, não observava nem avaliava; registava, é certo, mas como quem viaja de comboio e contempla distraidamente a paisagem intocável; o seu corpo era o seu comboio e não era ele que o movia. Isso era a coisa mais certa do mundo.
Quando reparou nas estrelas percebeu-lhes um brilho especial: !”Que Diabo!”- Exclamou franzindo a testa- “O que se passa com esta noite em que tudo se me aparece à vista de forma estranha?” E passado um segundo de meditação concluiu com ironia prazenteira: “O mais certo é eu estar deitado na minha cama a sonhar com isto! Seja como for... toca a andar!”
Numa hora chegou à base da montanha. Levantou a cabeça pequenina em direcção à cabeça descomunal da monstra pré-histórica de pedra basáltica e teve um sobressalto ao ver passar com uma rapidez surpreendente uma mancha que tapava as estrelas à medida que avançava. Pouco dado às explicações sobrenaturais, pôs de parte a sensação de ter visto um fantasma e satisfez-se ao pensar que se tinha tratado de uma nuvem brincalhona; ora não há coisa mais gratificante para um homem de bom senso do que verificar que tem razão e aí estavam as pequenas gotinhas de chuva, suaves como beijos de criança, a acariciarem-lhe o rosto e a comprovarem que estava certo:" Cá está o fantasma a ..." Que pode este narrador dizer quanto ao que se passou a seguir? Bom...A verdade!
Um som gutural interrompeu-lhe a frase. Como se a terra ela própria estivesse a arrotar. Um arroto longo e monocórdico. Quando parou e tudo ficou sossegado ele só teve tempo para ficar aterrado com o que lhe estava a acontecer: a terra pôs-se a tremer e uma pedra com o dobro da sua altura veio cravar-se ao seu lado esquerdo. Estupefacto viu uma outra, do mesmo tamanho, aterrar ao seu lado direito. Olhou para cima e viu uma terceira cair em sua direcção pronta a esmagá-lo se as duas primeiras não a tivessem amparado. De qualquer forma ele não pôde evitar acocorar-se instintivamente levando as mãos à cabeça. Como um bicho assustado, reparou que tinha defecado involuntariamente. “Porra! Que grande cagaço!” A seguir desabou-lhe a montanha toda em cima. E nesse momento, encaixado entre as três pedras, a sua mente começou a criar um fio de pensamento, tal qual um fio de água de uma nascente que brota silenciosa e timidamente da rocha para se dirigir a um grande oceano, mas não sem nele se fundir, e ao mesmo tempo, tornar-se nele próprio.
Naquela noite, José Bisgatelim, pastor de ofício herdado de gerações esquecidas, decidiu fazer um passeio antes do despontar da madrugada. Dado a sonos certos e regulares, viu-se perante algo inusitado: a escuridão. Abrira de repente os olhos que ficaram muito abertos ao encontro de uma parede de negro que brotava da noite sossegada, e um só pensamento lhe povoava a mente deserta: “É isto um chamamento?” Normalmente sério, o seu rosto estava agora severo, rude, poder-se-ia dizer mesmo que aquele homem tinha recebido a notícia que punha em causa a existência de alguém ou algo que lhe era particularmente querido e pela qual sentia a emergência natural de vestir as vestes de guerra. Mas não, sentia-se em paz... Nesse momento desviou, no escuro, os olhos em direcção ao som do sino que anunciava as duas horas da manhã. O seu semblante num segundo se modificou. Sorriu com descontracção ao pensar que em toda a sua vida jamais tinha ouvido o sino dar aquelas duas badaladas. Levantou-se. Sentia-se estranhamente desperto, com o corpo enérgico, cheio de força. “Um chamamento?” Pôs-se dentro das roupas do dia anterior e saiu de casa.
O caminho que tomou poderia levava-lo à montanha, ele não sabia mas era para lá que se dirigia. Percebeu que nunca tinha andado assim. A cabeça estava separada do corpo e não pensava, não regulava, não observava nem avaliava; registava, é certo, mas como quem viaja de comboio e contempla distraidamente a paisagem intocável; o seu corpo era o seu comboio e não era ele que o movia. Isso era a coisa mais certa do mundo.
Quando reparou nas estrelas percebeu-lhes um brilho especial: !”Que Diabo!”- Exclamou franzindo a testa- “O que se passa com esta noite em que tudo se me aparece à vista de forma estranha?” E passado um segundo de meditação concluiu com ironia prazenteira: “O mais certo é eu estar deitado na minha cama a sonhar com isto! Seja como for... toca a andar!”
Numa hora chegou à base da montanha. Levantou a cabeça pequenina em direcção à cabeça descomunal da monstra pré-histórica de pedra basáltica e teve um sobressalto ao ver passar com uma rapidez surpreendente uma mancha que tapava as estrelas à medida que avançava. Pouco dado às explicações sobrenaturais, pôs de parte a sensação de ter visto um fantasma e satisfez-se ao pensar que se tinha tratado de uma nuvem brincalhona; ora não há coisa mais gratificante para um homem de bom senso do que verificar que tem razão e aí estavam as pequenas gotinhas de chuva, suaves como beijos de criança, a acariciarem-lhe o rosto e a comprovarem que estava certo:" Cá está o fantasma a ..." Que pode este narrador dizer quanto ao que se passou a seguir? Bom...A verdade!
Um som gutural interrompeu-lhe a frase. Como se a terra ela própria estivesse a arrotar. Um arroto longo e monocórdico. Quando parou e tudo ficou sossegado ele só teve tempo para ficar aterrado com o que lhe estava a acontecer: a terra pôs-se a tremer e uma pedra com o dobro da sua altura veio cravar-se ao seu lado esquerdo. Estupefacto viu uma outra, do mesmo tamanho, aterrar ao seu lado direito. Olhou para cima e viu uma terceira cair em sua direcção pronta a esmagá-lo se as duas primeiras não a tivessem amparado. De qualquer forma ele não pôde evitar acocorar-se instintivamente levando as mãos à cabeça. Como um bicho assustado, reparou que tinha defecado involuntariamente. “Porra! Que grande cagaço!” A seguir desabou-lhe a montanha toda em cima. E nesse momento, encaixado entre as três pedras, a sua mente começou a criar um fio de pensamento, tal qual um fio de água de uma nascente que brota silenciosa e timidamente da rocha para se dirigir a um grande oceano, mas não sem nele se fundir, e ao mesmo tempo, tornar-se nele próprio.
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