quarta-feira, fevereiro 15, 2006

meditação

Levantou-se, fez a barba, tomou banho, matabichou e pôs-se a caminho. Subiu o monte e sentou-se.
Levantou-se. Atrás dos seus pés vinham umas raízes selvagens que tinham começado a enrolar-se nele, tomando-o por um tronco velho; chegou a casa leve como se tivesse dormido um sono perfeito e restaurador. Olhou-se no espelho e não se reconheceu; a barba chegava um pouco acima da linha dos mamilos. Quanto tempo tinha lá ficado em cima? Não sabia. E pensando bem, a pergunta era desnecessária. A verdade é que desde aquele dia em que fora despedido que não tinha tomado decisão mais acertada. Estava magro, é certo, qualquer um o tomaria como um vagabundo, sim, mas forte como um touro, sentia-se forte como um touro; não, forte como uma raiz; sim, uma daquelas raízes que persistentemente furam o que quer que seja desde que lhes seja concedido o tempo necessário. “Como uma raiz, sinto-me forte como uma raiz!” Pensou, enquanto cofiava a barba com a mão esquerda.
Com a mão direita começou a desfiar o sonho que tinha tido desde que se sentara naquela rocha simpática, no cimo daquele monte tranquilo. Foi mais ou menos assim.
Um ponto negro surgiu no centro do seu campo de visão para ser rodeado e absorvido por um ponto, um pouco maior, de luz branca. Este ponto começou a crescer lentamente até ocupar toda a sua mente, numa dimensão profunda e enigmática. Seduzido pelas sensações boas que este novo mundo lhe proporcionava, deixou-se ficar como que no vazio, sem tentar perceber ou interpretar o que parecia ser ininteligível e desprovido de significado.
Abriu os olhos, a barba estava crescida e pensou de imediato. “Perdemos tanto tempo com coisas insignificantes. Passamos tanto tempo a lutar connosco próprios. No fundo temos medo, um medo profundo de perder, de ficar a perder.” E continuou na constatação do que na altura lhe parecia ser um facto: “Se quiser ser um estou perdido...”
Enquanto se levantava e arrancava involuntariamente do solo, com esse movimento, as raízes rebeldes e tenras, deu com o olhar de um pequeno pássaro que se apressou a piar, antes de levantar vôo. Com o olhar seguiu a trajectória alada do pequeno ser até o perder de vista. Nesse momento sorriu levemente. Mas o sorriso, induzido por uma força irreprimível, foi aumentando gradualmente até que se transformou naqueles grandes sorrisos em que mostramos todos os dentes. Mas a força continuava lá, recomeçou a agir e do sorriso brotou uma pequena risada, como um gemido que se transformou a pouco e pouco numa sonora e saudável gargalhada. Quando parou de rir percebeu que a sua mente abarcava totalmente uma só coisa: O piar daquele pássaro.
Só quando chegou a casa e viu que não se reconheceu é que percebeu. O pássaro tinha-lhe piado duas palavras bem humanas: ”Bem-vindo”

2 Comentários:

Blogger Lyra disse...

ás vezes temos mesmo de nos perder para nos conseguirmos encontrar. beijo filipe.

11:30 da tarde  
Blogger Filipe disse...

hmm! deu para sentir a ternura desse beijo!

12:15 da tarde  

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