quinta-feira, março 30, 2006

Infinita baldade dos Deuses

Ao oitavo dia Deus estava muito excitado com tudo o que tinha feito mas depressa se foi aborrecendo; e os milénios foram passando de tal forma que nos dias que correm Ele já nem se dá ao trabalho de aparar os pêlos da barba ou os que Lhe saem, rebeldes, do nariz. De forma que anda com uma aparência muito pouco agradável, pelo que há já umas centenas de anos que sua mulher o advertia, queixando-se e chamando-Lhe a atenção para o facto. Estou com a sensação que esta história não vai dar a lado nenhum.
Como Deus não se decidia a ouvir-lhe os queixumes, resolveu um dia abandoná-Lo; fez uma pequena trouxa com os bens essenciais e partiu para outro Universo. Acontece que para sair deste, Ela, chamemos-Lhe Deusa, tinha que passar por um pequeno túnel de sete quilómetros, habitado pelo famoso anjo que um dia se tornou Diabo. Ora a única coisa que ela sabia era que aberta a porta do túnel, não havia possibilidade de regresso e era obrigada a entrar, fechando-a atrás de Si. E foi mesmo quando estava para tocar a maçaneta da dita porta que algo a fez paralisar num misto de temor e respeito; Deus que tudo vê, esperou por esse momento e gritou lá do meio do Universo directamente para o cérebro de sua mulher, com uma voz que superava a de um trovão: "Esta é a última vez que te falo antes de decidires o que queres fazer. Volta Deusa, és a minha mulher! Volta para a minha protecção e o meu carinho!"
Deusa , que agora se encontrava de olhos muito abertos e com a mão decisiva a centímetros da maçaneta da porta respondeu-lhe com trémulo atrevimento:” E tu...se eu voltar...recomeças a cortar os pêlos que te saem do nariz?” Ao que Deus respondeu, não sem uma ponta de irritação: “Disse-te que aquela era a última vez que te falava, não me faças faltar de novo ao prometido!” E ela, magoada, agarrou a maçaneta da porta e petrificou ao ouvir o riso sinistro que no túnel dançava e se debatia por sobreviver à bondade infinita de Deus, chocando de parede em parede, ganhando assim e em cada embate, novas forças que o faziam agitar-se com tenacidade cruel e mórbida, tal qual uma cauda de lagartixa que se debate, separada do seu corpo, ignorando-se perdida. E é no momento imediatamente anterior à paragem do movimento da cauda, quando o riso tenebroso se liga para sempre ao silêncio escuro e frio do túnel, que Deusa, cerrando com força os dentes, abre a porta e entra. O que encontra não a atemoriza pois nada vê senão uma luz densa e infinitamente negra, o que em qualquer ser humano conduziria inevitavelmente a um momento de reflexão, mas que Nela apenas levou à chamada imediata acção dos deuses, ainda que de forma débil, imprópria dos poderosos: pôs-se em movimento tacteando o solo com a ponta dos pés, avançando, cega, pela primeira vez na sua eterna vida.
De repente, sem razão aparente, lembrou-se do seu Deus, de como ele conseguia, por vezes, ser afável e condescendente e esse pensamento escorreu-lhe pelo rosto na forma de duas lágrimas redondas. Quando estas caíram no solo o chão iluminou-se à sua frente numa língua de fogo gelado. Ao fundo do túnel, o rosto sorridente e temido do Diabo apagava a luz que o circundava. Dirigiu-se a ele pronta a enfrentá-lo e, quando não os separavam mais que doze passos, Ela procurou-lhe os olhos, ignorando-lhe o sorriso sarcástico e, quando os encontrou, percebeu intimamente que aquele ser magoado estava preparado para a encarcerar para sempre. Porém, a sua natureza divina despertou Nela não medo mas sim curiosidade, pelo que perscrutou com avidez o seu olhar e, num segundo, para surpresa Dela, ele baixou com submissão os olhos e o sarcasmo do seu sorriso derreteu-se no seu rosto para nele dar forma à mais pura forma de sofrimento que nenhum ser humano poderia jamais suportar: a que deriva da plena consciência de se saber condenado a uma lenta e eterna Solidão. Ela percebeu então que não lhe restava outra coisa senão conversar com ele e, já que o tenho de fazer, pensou, que o faça sem palavras. Então, lentamente, começou a despir o vestido que a cobria e, já nua, entregou-se-lhe daquela forma que nenhum macho solitário consegue recusar. Fizeram amor durante 33 séculos. E finalmente, quando ele atingiu o orgasmo, ela abraçou-o para lhe dar a entender claramente que aquele sentimento de plenitude iria durar nele para sempre, enquanto a sua condenação durasse.
De seguida vestiu-se e abriu a porta, no fim do túnel. Ao fechá-la atrás de si, engoliu a luz branca do novo Universo e descobriu-se deitada na sua própria cama. Confusa por um momento, depressa ouviu o assobio tranquilo de Deus na casa de banho. Ele sorriu e disse-Lhe: “acordo sempre mais cedo do que tu!”
Ela, culpada, levantou as mãos tapando a boca muito aberta. Ele, sorrindo, disse-lhe: ”Não te preocupes! Isso estava previsto e tinha de acontecer!” Então Ela, completamente apaziguada, levantou-se e abriu a porta da casa-de-banho. Deus encontrava-se de frente ao espelho a aparar os pêlos que lhe saiam do nariz.
Quando acabou a tarefa ela ainda o olhava, contente. Ele virou-se para ela e ao mesmo tempo que a atirou para cima da cama como um louco que ama verdadeira e profundamente a sua mulher, gritou-lhe bem humorado: "Só não lhe devias ter dito que ia durar para sempre!" Mas ela replicou, rindo: "Meu querido...e o prazer que essa mentira me deu...?"

3 Comentários:

Blogger ISABEL Mar disse...

e o prazer k esta leitura me deu ... hmmmmmmmmm delicioso
33 séculos?... isto sim, é sexo tântrico

3:12 da tarde  
Blogger Filipe disse...

e sabes o que é sexo tântrico...!

8:27 da tarde  
Blogger ISABEL Mar disse...

claro k sei... dahhh, sou budista; pratico meditação, faço ioga e alguams outras coisas :P

12:24 da manhã  

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