O assassínio punido.
As andorinhas voavam, brincando, fazendo voos rasantes, por cima do homem que nadava. E este, contente, sorria liberto e em êxtase, em
comunhão com a natureza.
Ouviu um motor que,
perto dele, começou a trabalhar, barulhento, parou de nadar e rodou a cabeça
para ver onde estava o barco. Viu-o e ao marinheiro que o comandava, sentado, e
sentiu um arrepio gélido ao verificar nele um sorriso menos rude, mais provocatório,
e muito mais cruel.
Apreensivo, o homem recomeçou a nadar, dando conta que os
pássaros tinham desaparecido dali. Sentiu-se sozinho, abandonado, e reparou que
a direcção que o barco tomava era a dele. Pensou que faria se a intenção do
marinheiro fosse passar-lhe por cima. O marinheiro cessara de sorrir e agora, olhava
o nadador, fixa e sadicamente.
E no momento em que concluiu que o barco ia mesmo abalroá-lo,
encheu os pulmões de ar e mergulhou.
A uma profundidade
por pouco suficiente para não ser ferido pelo hélice, o homem ouviu o motor do
barco a passar rente a ele. Nadou debaixo de água na direcção oposta à da
embarcação e quando precisou de ar veio à tona de água. Olhou para trás e viu o
barco, as andorinhas que tinham voltado e o marinheiro que, agora em pé,
segurava numa caçadeira.
O homem não teve
tempo para mergulhar de novo. Quando esboçou a intenção de o fazer já o
marinheiro tinha disparado. Os chumbos penetraram no rosto que, desfigurado,
manchava a água de sangue que se espalhava abundantemente. O marinheiro, de cara
fechada, inexpressivo, aproximou-se devagar do homem que atingira e, ao
certificar-se que o tinha matado, levantou as mãos e a cabeça ao céu,
cerrou os punhos e gritou de forma selvática e triunfante. Quando o grito
findou, um dos pássaros voou rente ao rosto do assassino e com uma garra fez um
corte na sua testa, dando uma ordem inquestionável. O resto do bando aproximou-se
do marinheiro que esbracejava, tentando libertar-se em vão da ameaça
inconcebível. Os pássaros começaram a bicar e a cortar incessantemente o seu
rosto até que, para finalizar o ataque, lhe arrancaram os olhos.
Depois, uma a uma, pousaram no cadáver do nadador que
flutuava, para sempre silenciado, e que já não ouvia, quer os lamentos das andorinhas
quer os gritos irrelevantemente furiosos do cego.
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