quarta-feira, julho 26, 2006

Memória

Eram três barcos equiibrando-se na linha do horizonte. Da praia o homem pensava, com a sombra da palmeira a refrescar-lhe a pele quente, qual deles iria desaparecer para o outro lado do mundo. Se calhar nenhum, mas se um deles seguisse rumo a Sul, o fim visual estaria eminente.
Assim, girava a cabeça de Oeste para Este e de Este para Oeste, mantendo-se atento ao pretenso estaticismo e silêncio dos barcos.
Ver um barco desaparecer no horizonte, pensava, assemelha-se a olhar no céu da noite uma estrela que se extingue; um passe de magia, um testemunho inexorável do tempo; o tempo que traz e leva os momentos presentes, ofertas divinas que os homenns beneficiam simplesmente por existirem. Tudo passa até ao momento em que nós próprios passamos para um estado de solidão cósmica, de braços abertos, de peito inchado e engrandecido pela beleza da Natureza viva, da qual somos uma ínfima parte.
Distraiu-se um pouco a olhar para uma página em branco e quando deu por si, a sombra escapulira-se e a sua cabeça rapada já aquecia sob o olhar atento do Sol. Olhou para o horizonte e só viu um dos barcos, o maior. As estrelas extinguiram-se e ele perdeu o fenómeno. Porém, não ficou triste. As raparigas riam e gracejavam à sua volta, o mar lambia as pedras tocando com elas uma melodia ancestral e uma jovem chapinhava na água; se não olhasse poderia bem imaginar tratar-se de uma criatura marinha.
Com o sol a preparar-se para se despedir daquele dia, as raparigas já se haviam calado há muito, o mar deixou de brincar com as pedras e a rapriga que chapinhava saiu da água com a pele enregelada.
Tudo passa, tudo. Mas na efemeridade das coisas encontramos pequenino consolo: o de percebermos que, afinal, ficam, as coisas, connosco para sempre.

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