sexta-feira, junho 20, 2014

Cíúmes


Levantou-se por impulso exterior. Encontrava-se sentado há três horas, absorto na luz do entardecer, num estado normal de hipnose auto-induzida. Era assim desde que o seu primogénito tomou um frasco de comprimidos que o levaram desta nossa terra onde tudo está em movimento e nada está parado. Desde esse fatídico dia que adquiriu o hábito de meditar aos fins de tarde, a tentar perceber porque é que o seu belo filho fez o que fez, Porquê?, perguntava com os pensamentos no topo da cabeça, Porquê?.
Os dias passam sempre, e o que é difícil para uns é fácil para outros. É preciso coragem para tomar uma dose mortal de medicamentos. A ideia de não acordar intimida qualquer um.
Porquê? Perguntava o pai, obcecado, Porquê? E, no momento mais sublime dos seus pensamentos, gritou para dentro da sua mente. Porque sim, pôrra! Porque sim! E este grito, a jeito de resposta, aumentou o espaço, varrendo tudo o que estava a mais na sua cabeça. Restando só uma dor pequena, transformada numa carícia insondável.
Naquela tarde levantou-se bruscamente no momento em que alguém atirou uma pedra que partiu o vidro da sala onde se encontrava. Mal sabia ele que o autor de tal afronta tinha sido o seu filho mais novo, embebido de uma espécie de ciúme. Quando foi à janela já o filho atormentado se tinha escapulido. Quem terá feito isto? Perguntou-se inquieto. E quando encontrou a pedra arremessada verificou que tinha uma mensagem agarrada a ela. Dizia em fortes maiúsculas, ESTÁ NA HORA DE ACORDARES. CONCENTRA-TE NO FILHO QUE TE RESTA.
 Nesse dia, o pai, quando o filho mais novo chegou a casa, agarrou-o e apertou-o com ambos os braços num abraço indestrutível. Nesse momento de encontro aos dois foi dado lacrimejar. Quando, por fim, o abraço findou, as lágrimas foram enxutas. O filho tinha o pai de volta; o pai recuperara o filho vivo e enterrara o morto num local especial da sua mente
As coisas que fazemos podem construir ou destruir. Ambas as situações namoram e, ao fim de algum tempo, aprendemos a manejar as duas em prol de nós mesmos, em prol dos outros. Só assim se pode caminhar todos os dias, um a seguir a outro: fazendo omeletes com os ovos que o quotidiano nos oferece.

terça-feira, junho 10, 2014

léo ferré

segunda-feira, junho 02, 2014

Rivalidades



A primeira facada penetrou na nádega. A segunda, com pontaria mais certeira, rasgou-lhe o ânus. Na noite anterior, quando fora expulso daquele bar, a ameaça tinha sido explícita: vais levar uma facada, uma facada no cu seu cabrão!
Ninguém ligou à ameaça, toda a gente o subestimou. Despediram-no com um empurrão que o jogou sobre terra. A mesma terra que agora bebia o sangue do seu oponente.
Passados trinta dias o caso ainda era falado e o bar, ao contrário do que se esperava, ganhou clientes . A maioria com uma curiosidade mórbida, que as levava a querer ver e estar no lugar onde o mal triunfou sobre o bem sob a forma de raiva, incompreensão e assassinato.
Não há dúvida: o mal existe e o diabo encontra-se em cada esquina a magicar das suas.
Desta vez lembrou-se de fomentar rivalidades dentro de um bar de uma cidade com milhares de pessoas, onde ninguém se conhece particularmente. Rivalidades que desencadearam em mais um crime anónimo.
A faca tinha sido embebida num veneno poderosíssimo, um veneno que levara a vítima à morte em poucos segundos.
O agressor foi preso e condenado a prisão até ao fim dos seus dias.
Uma história que não tem final feliz. Por muito que ao autor apetecesse. Nem mesmo dirigindo a atenção para o movimento do bar, lá, onde a música prevalece, onde os risos fazem a festa e as disputas são prontamente reprimidas pela força.