segunda-feira, julho 29, 2013

Ler, escrever, viver e morrer

Ler é interpretar os símbolos e transformá-los em algo pessoal e novo. Mas o que se escreve, logo após estar escrito, já tem idade avançada, é velho, como uma carruagem muito usada.
Escrever, no entanto, é ler ao contrário. É sempre novo, para deixar no papel o velho para onde o tempo leva tudo; sobretudo a nós, que somos seres pensantes e um bocadinho mais que novos, sobretudo a nós o tempo leva para o buraco negro do fim de um dia, de uma semana, de uma vida, para o buraco negro que é ser velho.
Escrever é o novo que deita cá para fora o velho que há em nós; é estar no silêncio e falar ao mesmo tempo, até se tornar rouca, essa singular forma de voz; é estar sentado e voar em direcção às asas de um outro olhar que, solitário, se faz acompanhado na sua luta de se ser absolutamente livre, absolutamente social, absolutamente real.
Mas eu não sei o que é ser velho! Deve ser mais que um conjunto de rugas no rosto, deve ser ambicionar viver para lá do sol-posto, e no fim querer-se morrer na calma com que se mata um desgosto.


sábado, julho 20, 2013

os dois num só



A chuva caía do céu sem estrelas enquanto a noite parecia sorrir.
Eles dançavam, molhados, no meio da rua, sentindo que fora deles nada existia, que tudo havia sido feito para aquele momento, para os dois se inventarem juntos, colados um no outro. Então, riam, saltavam, corriam, abraçavam-se, até que chegaram a um relvado, imenso como o mar. Deixaram-se cair e rebolaram na relva, contentes, para se unirem pelos lábios um do outro num beijo molhado e profundo;  e, de tanto se gostarem, ficaram assim, unidos pelas bocas, muito tempo, até que deixou de chover.
O acontecido fez-se notar e eles olharam o céu apagado de estrelas, com nuvens que pareciam apressadas, voando como ninguém, como se esse ninguém tivesse uma mensagem importante a entregar a outro ninguém ainda muito longe dali.
A chuva levou-lhes o beijo e toda a magia que até então tinham sentido. Sentiram-se parvos, como quem é apanhado em falta numa mentira infantil, frágil e gratuita. Ele olhou para ela, ela olhou para ele, e a única coisa que passaram a ter foi a realidade um do outro, separadas por um abismo tão colossal que a única coisa que passaram a estranhar era o facto de ainda se poderem olhar. Era a única coisa que o mundo lhes oferecia naquele momento: O olhar um do outro.
Ora no silêncio a alegria não vive, mas trabalha incessantemente como aquilo que no silêncio é: uma pequena lagarta que depois de bem alimentada tece o seu casulo. Foi isso que os dois fizeram quando só tinham o olhar um do outro: teceram um casulo de alegria que num longo minuto ficou pronto. Nesse momento eles riram a gargalhada da pura felicidade, muito alto, em uníssono  e com a energia lenta e poderosa que faz mover as plantas, o pensamento, os planetas, as estrelas e com eles, as galáxias.
Foi então que ele gritou rindo: ”queres casar comigo?” ao que ela respondeu também rindo e gritando para o céu: “quero!” E nesse preciso momento, em que as cores dos seus olhos se entrelaçaram numa terceira cor, a chuva desatou a cair novamente, desta vez com mais força: “Chuva, gritaram ambos, casa-nos!” E ele acrescentou: “e não te esqueças de nós!”
E foi com a chuva a cair que os dois se entregaram ao amor, para conceberem uma criança que um dia cresceu e se tornou adulta quando percebeu que as lágrimas não foram feitas para secarem no rosto.

sexta-feira, julho 12, 2013

Janelas

Temos sempre coisas a mais e falta-nos sempre qualquer coisa. Por isso existem janelas e a vontade de entrar e sair por elas, voando.