sexta-feira, novembro 18, 2005

Enigma

Os pássaros sairam da gaiola.
Agora o vento sopra e ajuda-os a voar.

sábado, novembro 12, 2005

A cama

Todos os dias, depois de acordar, calçava as pantufas ainda com os olhos fechados e cheios de noite já passada. Mas naquela manhã algo de inesperado aconteceu. Quando no mesmo gesto de sempre tentou alcançar as pantufas os seus pés sentiram apenas o colchão. Tentou a beira da cama um pouco mais à frente para outra vez encontrar o colchão. O que se passa? Nesse dia teve de abrir os olhos antes de se calçar, e a imagem que lhe surgiu assombrou-o; o quarto desaparecera com todos os móveis e acima da cabeça só via um céu de um azul embriagante; girou a cabeça e em todas as direcções apenas via um grande mar de um lençol branco; um colchão imenso onde teve a sensação de se encontrar no meio, sentindo-se de repente como uma ilha pequenina, rodeado de uma calma fantasmagórica que lhe lambia o corpo isolado e lhe aprisionava a mente perplexa.
Levantou-se e verificou que o colchão tinha exactamente a mesma densidade que o seu colchão. Começou a andar e quanto mais andava mais o colchão parecia sem fim. Mas manteve a trajectória e caminhou durante horas a fio, até que sentiu um profundo cansaço; deitou-se e adormeceu. Passado uns instantes acordou, completamente rejuvenescido e com a sensação de ter sonhado muito. Tentou alcançar as pantufas e lá estava o colchão, infinito, a roubar-lhe o mundo e a vida. Recomeçou a andar decidido a não parar perante qualquer tipo de obstáculo. E esses esforços foram recompensados. Ao longe começou a distinguir uma forma distinta e à medida que se foi aproximando começou a vislumbrar nela as linhas redondas de uma mulher. Apressou o passo e lá estava ela, nua e bela, adormecida. O seu sono parecia tão sereno que por momentos teve receio de a acordar. Sentou-se a observar-lhe o peito que mexia com a respiração. De repente percebeu que alguma coisa tinha de fazer e decidiu arrancá-la ao sono. Tocou-lhe levemente o ombro arredondado e ela imediatamente abriu os olhos. Ele perguntou-lhe: ”Onde estou?” Ela respondeu “Estás a sonhar” e desapareceu como uma bola de sabão que toca o chão.
Então sentiu que se estava a sonhar precisava de dormir para então poder acordar. Deitou-se e tentou adormecer. Em vão.
Recomeçou a andar até que quase caía num precipício que se lhe abrira de repente à frente dos pés. Olhou para baixo e no fundo longínquo pareceu-lhe vislumbrar a forma de uma cama, da sua cama. Apurou a vista e concluiu, Sim! É a minha cama!
Sentou-se à beira da cama a olhar a sua cama; olhou para trás para a imensidão do lençol branco, olhou para cima para a inacessibilidade do azul do céu, fechou os olhos, respirou fundo, sorriu pela ideia e deixou-se cair. Estranhamente verificou que caía devagar. Caiu muito tempo, como se estivesse debaixo de água com um peso amarrado à volta da cintura. A cama aproximava-se lentamente à medida que descia até que houve um momento em que ele quase a tocava. Abriu os olhos e disse em voz alta, ao mesmo tempo satisfeito, ao mesmo tempo espantado: “Olha! Que estranho.. Era mesmo um sonho!
Calçou as pantufas e resignou-se a reconhecer, como que com as próprias mãos, palpando-a como a uma maçã fresca, quão prodigiosa e deslumbrante é a máquina que temos todos dentro da cabeça.

sexta-feira, novembro 11, 2005

I can't get no

No outro dia parece que me vi na pré-concepção. Uma parte de mim estava parada, a outra em movimento frenético. Depois veio a junção e a parte que estava em movimento penetrou a que estava parada para juntas crescerem incessantemente. Até hoje. Leio mais umas linhas de um livro, entusiasmado porque me transmite experiências interessantes do mundo humano que me fazem sorrir e adormeço. Tenho um sonho. Quando acordo verifico-me preocupado. Vejo-me com 50 anos sem nada. Agora que falo nisso entendo que essa preocupação possa nascer da sensação actual de não nada ter. Então questiono a veracidade desta sensação e procuro na minha vida o que tenho e encontro algo. Pouco? As únicas coisas que tenho são um processo de aprendizagem e os outros que dela fazem parte. Não resta mais nada. Aquela parte em movimento, irrequieta, não pára, por muito que o possa desejar. É uma fatalidade. Acompanha-nos a todos, até ao último suspiro. E embora pareça uma ideia fatigante deixa-me contente. A preocupação esvai-se e o dia a dia continua como um túnel onde ao fim aparece uma luz, a sala de aula onde pratico com mais 20 pesooas. Depois dela vem o dia a dia, o túnel. Percorro-o sozinho sabendo que lá à frente está a luz. E quando tiver 50 anos...pffuu, que se lixe.. A idade que tenho já me é suficiente e, acima de tudo e afinal... sempre tenho algo...

quinta-feira, novembro 10, 2005

Origens



Onde será que estás, casinha onde dormi os primeiros 14 meses da minha vida?

terça-feira, novembro 08, 2005

Tumultos em França

Que razões tenho para acreditar nos média? E no entanto as imagens falam por si. Carros incendiados em França e a alastrar para outros países da União Europeia. Desde que ouvi estas notícias pela primeira vez que decidi pôr-me em atenção para o que se dizia sobre as razões de tais acontecimentos. Ora não posso crer que no-lo digam claramente, antevejo algo, então o que dizem na obscuridade? Que são cidadãos imigrantes de segunda geração que não estando completamente integrados no país de acolhimento e já sem grandes afinidades com a cultura de origem, descontentes com a situação em que se vêem, sem perspectivas de futuro, sem trabalho, se manifestam violentamente contra o sistema vigente através de actos de vandalismo. Que não têm nenhuma política, organização ou filosofia a sustentar os seus actos. Será isto verdade? Contra o sistema vigente e sem acreditar em nada faz-me lembrar o niilismo que na Rússia se insurgiu , na segunda metade do séc. XIX, contra o sistema social estabelecido pelos czares. Vários sistemas sociais foram sendo ao longo dos tempos questionados tendo havido na História, que ainda não acabou, várias revoluções.
Mas estes gajos da política andam tão cegos que não vêem que não há volta a dar? Que a hipocrisia reinante no politicamente correcto que obriga as pessoas a viver num mundo cor de rosa, apesar das injustiças diárias de que são vítimas, ou das guerras, fome e doenças que até chegam aos seus ouvidos; AH! Exclamamos inconscientemente, Não é com a gente...A merda do mundo está a ficar quadrado. Vejo-o no meu dia a dia. Vive-se num mundo do que parece e não do que é, e nele, quem como por prestidigitação, ilude melhor, melhor vinga. Ora porra. À conta disto continuam duas dúzias a viver à grande contra doze biliões de outros a contar os tostões. E isto porque as palavras podem enganar e cada vez enganam mais. O que é dito de uma forma pode iludir e esconder uma outra realidade. E quem é mestre nesta habilidade?
Há bocado leram “duas dúzias a viver à grande contra doze biliões de outros a contar os tostões” o pior é quando se passa a ler “doze biliões a contar os tostões contra duas dúzias que vivem à grande”. Não será isso que poderá estar a realizar-se?Estes tumultos, independentemente do que possam noticiar, são o indício de algo gigantesco que vai acontecer; um indício que pode vir a ser silenciado mas...Não há volta a dar! Vivemos numa civilização que não é nem perfeita, nem intocável nem tampouco imortal.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Demissão

Exmº Srº Dr. Anacleto Vidalvas:



Venho agradecer-lhe o convite para a sua festa de aniversário mas por forças de motivo maior não poderei comparecer. Ao longo de todo o tempo em que o conheci compareci a todas as suas festas. Espero que a exposição dos factos poderá levá-lo a compreender e a retirar de mim o peso da minha falta.
Há trinta anos que trabalho para si e durante todo esse tempo não teve nunca nada a apontar-me a não ser o reconhecimento e admiração que sempre tive por si. E é agora chegado o momento de lhe dizer que essas coisas não se reconhecem com palavras mas com actos. Vi ao longo destes trinta anos acontecimentos que me fizeram crescer e ampliar a fraca consciência que tenho do mundo. Porém esses acontecimentos foram na sua maioria carregados da carga negativa que irradia de qualquer forma de autoritarismo. Despedaçou e humilhou muita gente antes de finalmente os despedir, lançando-as em situações precárias e inadmissíveis, não olhando aos direitos cívicos de cada um. É espantoso e admiro solenemente o facto de nunca ter sido posto em causa por qualquer pessoa ou entidade. Eu nunca o fiz porque sou um fraco. Um fraco que não tinha mais lado para onde me virar. E, apesar de me encontrar hoje nessa mesma situação, abandono a sua grande empresa, da qual tive a honra deprimente de pertencer aos quadros de chefia; deprimente porque nunca foi por mérito que lá fui parar e sim por lhe lamber sempre as botas enlameadas de egoísmo e ausência da capacidade de dar; abandono a sua empresa por achar que 30 anos de cumplicidade é suficiente.Não envio à sua esposa cumprimentos porque tive a felicidade de a conhecer e amar e, na altura em que estiver a ler estas linhas, já eu e ela estaremos num lugar qualquer para podermos em paz viver uma vida simples e honesta, no seio de uma comunidade que, como compreenderá não poderei aqui divulgar. Não se arrelie Sr. Dr, peço-lhe, sobretudo, que não se arrelie.

A avenida

A mulher olhava-me sentada sozinha a 20 metros de distância, com uma expressão que irradiava solidão. Um homem passou com a perna torta e metade do braço cortado. Outro homem, anão, em sentido contrário, gordo, descreveu uma trajectória diferente e cruzou por trás da mulher que nesse momento tentava inutilmente uma chamada telefónica.
Estou numa avenida. Árvores plantadas erguem-se no meio da calçada, imponentes; reparo agora como tão poucas são as vezes que reparo nelas. As pessoas, às centenas cruzam vindos da esquerda e da direita. Uma velha, de lenço azul na cabeça, senta-se no banco à minha frente para se levantar num passo frágil. Outra mulher tenta também um contacto telefónico. Contacto frustrado. Talvez haja algum problema com o satélite que lá por cima viaja num triunfo do génio humano. Outras pessoas aproveitam os bancos de pedra para descansar, como aquela mulher que a 50 metros de mim se senta de forma tal que lhe consigo ouvir o suspiro. Mesmo ao meu lado um casal idoso conversa. Ouço-lhes as palavras e o tom de voz mas não descodifico as mensagens. Falam tranquilamente e isso é quanto basta para me manter aqui.
O céu está nublado e uma aragem fresca passa-me pelo lado esquerdo do rosto. Finalmente um pássaro; vem de cima e aterra mesmo ao meu lado. Ali ao fundo uma borboleta bate as asas laranja e segue o seu rumo sem que a siga com o olhar.
Estou só. Conscientemente só e não me apetece encontrar ninguém que conheça. Sabe-me bem estar assim, a ver a vida passar, através da minha e do meu registo que agora em paz usufrui deste movimento que não é frenético mas calmo Calmo e ordeiro. Não se vê uma só pessoa a andar de forma apressada. Sim...talvez basta falar para que aconteçam as coisas. Três adolescentes passam sorridentes de andar acelerado.
Provavelmente vou ter de ir. Mas não agora. Vou-me deixar ficar um bocadinho mais. Alguma coisa acaba sempre por acontecer, e se é essa a primeira e principal lei da vida não sou eu agora que a vai cumprir...

Reabertura

Está este blog reaberto, para o que der e vier.